domingo, 4 de outubro de 2015

AH! BRUTA FLOR DO DESEJO

AH! BRUTA FLOR DO DESEJO
 
 
Há 20 anos - mais precisamente 21 - Caetano Veloso lançou "O Quereres"
 
O título bem que poderia ter sido O(s) Desejo(s). Mas talvez na versão para as notas musicais poderia ter havido excesso e/ou um certo mal-estar estético. Ainda assim, cabem aligeiradas reflexões:
 
Penso que não seria  excessivo e,  com o auxílio luxuoso de  Nelson Rodrigues, 'óbvio ululante', alardear que O QUERERES se refere a humanos e  não aos outros animaiis. Eles lá, nós aqui, nós somos seres do desejo. Eles da necessidade. Somos sujeitos da natureza, eles objetos dela. A mulher, a cada 28/30 dias diz não (através de pílulas, DIU, conselho do  padre, do pastor, tabelinha, sexo-só-quando-casar, etc. etc.) à natureza que quer fecundação e multiplicação. E quando ela diz não à imperiosa  natureza, esta  chora lágrimas de sangue. Onde queres mais filhos, natureza, eu sou controle da natalidade; eu quero só dois filhos. Ah! bruta flor do querer ...
 
Desejamos porque somos - até o momento no sistema solar - o único bicho que fala. A linguagem é, a um só tempo, a grandeza e a miséria do bicho humano. Grandeza pois com ela tem sido possível fazer desde um machado de pedra até o último modelo de nave espacial ainda na prancheta do desenhista. Miséria porque não podemos dizer tudo de um simples fio de cabelo. Haverá sempre um por-dizer. "Eu tenho tanto pra lhe falar, mas com palavras não sei dizer/ como é grande o  meu amor por você". (Roberto Carlos); não só com palavras (linguagem) mas também com jóias, flores, diamantes, castelos na Europa, uma ferrari, um e mail ou uma carta de amor ...
 
Três teses não desistem de gritar nem silenciam  na letra de Caetano:
 
 1 -  O desejo do homem (ser humano) é o desejo do outro.
 
2 - O ser desejado nunca completa o desejo do ser desejante. Entre a mão e a luva há sempre um espaço nano - nem micro esse espaço é!
 
3 - Desejamos não o(a) outro(a), mas o desejo do(a) outro(a). "Quando te vejo eu desejo teu desejo" (Caetano "Menino do Rio"). 
 
A mentira risonha: 'eu te amo'. A verdade tristonha: 'eu me amo em você". Em  palavras caetanas,  "eu queria querer-te amar o amor" ("O Quereres").
 
Quando nascemos (em São Paulo ou numa tribo isolada no centro da África ou do Brasil)  a linguagem e a falta como alicerce (e lógica) do desejo já estavam aí. Preparando uma cilada, uma emboscada linguística e cultural. Nascemos não como sujeitos e sim como objetos. Nem escolhemos nosso próprio nome ...que é fruto do desejo de outrem. Quando ingressamos no clube da linguagem, viramos bicho humano e passamos à condição de sujeito e nunca mais de objeto. Na fase da amamentação, élel (o bebezinho, o objetinho) não mama (presente do  indicativo) . Mamar é verbo, verbo é ação, ação é do sujeito. O objetinho, tão fofinho,  ser vivente ... não age, é agiddo; o bebezinho se deixa amamentar.]
 
Diz a menininha que ainda nem menstruou 'quando eu  tiver um filho, se for menino vai se chamar Pedro, se for menina Joana'
 
Alguém diz: Fulano é um marido perfeito mas ... Ele poderia dizer: 'ainda que eu fosse um perfeito, ainda assim você acharia algum defeito ...' Ou ficar calado; o não-dito estaria dito; ele poderia não desejar 'chover no molhado' ...
 
Na letra "O Quereres", há desejos (revólver X coqueiro, família X maluco, romântico X burguês, eunuco X garanhão, quaresma X fevereiro ... e por ai vai ...)
 
Ninguém completa ninguém. Ninguém satisfaz ninguém; há sempre um por-dizer, um por-ser, um por-fazer, um amor por-amar ...
 
... ah! bruta flor do desejo;  corrijo-me e digo: ah! bruta flor  do querer.;  bruta flor, bruta flor ...

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