segunda-feira, 4 de março de 2013

DISCURSO ... / 8 - GUERRELHAS ... AMOR ... (FINAL))

DISCURSO AMOROSO URBANO/ 8


fonte - INBIO
Instituto de Neuropsicologia e Biofeedback

CONTINGÊNCIAS DE AMOR E DOR NÁ MÚSICA POPULAR BRASILEIRA (FINAL)
Fabiana GUERRELHAS,  e Maira Cantarelli   BAPTISTUSSI


A primeira contingência avaliada re relacionava a uma contingência do passado. No período em que o casal se conheceu, começou a flertar e teve início o namoro. A música selecionada para ilustrar a fase da paixão foi VOCÊ, de Tim Maia. A música revela a saída de um estado de privação:

“De repente a dor 
De esperar terminou 
E o amor veio enfim 
Eu que sempre sonhei 
Mas não acreditei 
Muito em mim 
vi o tempo passar 
O inverno chegar 
Outra vez

Além disso, nesta fase havia a produção de reforçadores poderosos, que mantinham respostas em esquema de reforçamento contínuo:

“Todo pranto sumiu 
Um encanto surgiu meu amor 
Você 
É mais do que sei 
É mais que pensei 
É mais que eu esperava, baby 
Você
É algo assim 
É tudo pra mim
É comol eu sonhava baby" 

Após este período, veio a fase de acomodação, que compreende um longo namoro que evolui “naturalmente” para um casamento seguido do nascimento dos filhos. A partir daí, não há muitas novidades no relacionamento além do pouco contato com contingências novas. A música EU SEI QUE VOU TE AMAR de Caetano Veloso ilustra esta fase de confiança, caracterizada pela presença de reforço constante e freqüente:

“Eu sei que vou te amar
Por toda a minha vida eu vou te amar
A cada despedida eu vou te amar
desesperadamente eu sei que vou te amar
E cada verso meu será
Pra te dizer que eu sei que vou te amar
Por toda a minha vida”.

Há outro trecho da música que vai sinalizando a alteração das contingências vividas pelo casal. Em alguns momentos da relação falta ocasião apropriada para o reforçamento o que produz saudade, embora haja esperança já que o reforçamento se apresenta em esquema intermitente. 

“Eu sei que vou chorar
A cada ausência tua eu vou chorar
Mas cada volta tua há de apagar
O que essa tua ausência me causou
Eu sei que vou sofrer
A eterna desventura de viver
A espera de viver ao lado teu
Por toda a minha vida”.


Chegou o momento do desgaste. É revelado um relacionamento extra-conjugal do marido. A relação é povoada por desconfianças, mentiras e perseguição por parte da amante. Há, porém tentativas de reconstrução, por parte dos dois. A condição agora é predominantemente aversiva e recheada de respondentes ligados a sofrimento. Todos os estímulos discriminativos fornecidos pelo marido indicam a perda eminente de reforçadores. Ainda há muita oscilação entre a apresentação e retirada de reforçadores em esquema intermitente. Imperam sentimentos de raiva e ciúmes conforme ilustra a música GRITO DE ALERTA de Maria Betânia:

“Primeiro você me azucrina, me entorta a cabeça
Me bota na boca um gosto amargo de fel 
Depois vem chorando desculpas, assim meio pedindo
Querendo ganhar um bocado de mel
Há um lado carente dizendo que sim
E a vida da gente gritando que não
Não vê que então eu me rasgo, engasgo, engulo
Reflito e estendo a mão 
Veja bem, nosso caso é uma porta entreaberta
São tantas coisinhas miúdas, roendo, comendo
Arrasando aos poucos com o nosso ideal
São frases perdidas num mundo de gritos e gestos
Num jogo de culpa que faz tanto mal
Veja bem, é o amor agitando meu coração
Vê se entende o meu grito de alerta”

A separação torna-se inevitável. As emoções que predominam são fracasso e desilusão. Mas os 25 anos de relacionamento e contingências relacionadas à manutenção da família e cuidados com os filhos promovem ainda a oscilação entre um relacionamento amistoso e agressivo. A música utilizada para exemplificar esta fase é TROCANDO EM MIÚDOS de Chico Buarque, a qual descreve a ironia:

“Eu vou lhe deixar a medida do Bonfim
Não me valeu
Mas fico com o disco do Pixinguinha, sim?
O resto é seu
Trocando em miúdos, pode guardar
As sobras de tudo que chamam lar
As sombras de tudo que fomos nós
As marcas de amor nos nossos lençóis
As nossas melhores lembranças
Aquela esperança de tudo se ajeitar
Pode esquecer
Aquela aliança, você pode empenhar
Ou derreter
Mas devo dizer que não vou lhe dar
O enorme prazer de me ver chorar
Nem vou lhe cobrar pelo seu estrago
Meu peito tão dilacerado
Aliás
Aceite uma ajuda do seu futuro amor
Pro aluguel
Devolva o Neruda que você me tomou
E nunca leu
Eu bato o portão sem fazer alarde
Eu levo a carteira de identidade
Uma saideira, muita saudade
E a leve impressão de que já vou tarde
Junto com o término surgem novos sentimentos e desafios. A perda de reforçadores associados ao casamento é concreta. A contingência atual é de solidão. Para mudar a situação é necessário administrar as amizades que foram formadas a partir da relação, além de iniciar a busca de novas atividades e afetos. Torna- se muito difícil prá ela agir de maneira alternativa dentro deste contexto absolutamente aversivo. Aparecem efeitos claros da extinção e da predominância de controle aversivo como perda de confiança, desencorajamento, impotência, frustração, vergonha, culpa e agressividade, o que foi ilustrado na música DETALHES de Roberto e Erasmo Carlos. Esta música demonstra uma reação provocada por toda a dor, ou seja, após tanto sofrimento e provavelmente como reação a toda a frustração, a cliente passa a a descrever verbalmente para o ex-marido o provável fracasso que terá ao viver sem ela.

“Não adianta nem tentar me esquecer
durante muito tempo em sua vida eu vou viver
Detalhes tão pequenos de nós dois
são coisas muito grandes pra esquecer
e a toda hora vão estar presentes
você vai ver
Se um outro cabeludo aparecer na sua rua
e isso lhe trouxer saudades minhas, a culpa é sua
Se alguém tocar seu corpo como eu, não diga nada
não vá dizer meu nome sem querer à pessoa errada
Eu sei que esses detalhes vão sumir na longa estrada
do tempo que transforma todo amor em quase nada
mas quase também é mais um detalhe
um grande amor não vai morrer assim
por isso, de vez em quando você vai
vai lembrar de mim”

O processo terapêutico encontra-se em fase de encerramento. O autoconhecimento que a cliente adquiriu através das estratégias utilizadas foi fundamental para que ela alterasse padrões de comportamento ligados ao sofrimento, superasse a dor relacionada ao término da relação, mudasse o controle verbal pelo contato direto com novas contingências e adquirisse assim um novo repertório de interações sociais. A situação atual pode ser definida pela construção de um repertório de maior variabilidade, de modo que está aproveitando as ocasiões para agir de maneira alternativa. Diante disto, cliente experimentou novas contingências e produziu novos reforçadores, relacionados agora a contextos descritos por ela como felicidade, como canta Ana Carolina em PRÁ RUA ME LEVAR.

“Não vou viver, como alguém que só espera um novo amor
Há outras coisas no caminho onde eu vou
As vezes ando só, trocando passos com a solidão
Momentos que são meus, e que não abro mão
Já sei olhar o rio por onde a vida passa
Sem me precipitar, e nem perder a hora
Escuto no silêncio que há em mim e basta
Outro tempo começou pra mim agora
Vou deixar a rua me levar
Ver a cidade se acender
A lua vai banhar esse lugar
Eu vou lembrar você
É mas tenho ainda muita coisa pra arrumar
Promessas que me fiz e que ainda não cumpri
Palavras me aguardam o tempo exato pra falar
Coisas minhas, talvez você nem queira ouvir
Já sei olhar o rio por onde a vida passa
Sem me precipitar, e nem perder a hora
Escuto no silêncio que há em mim e basta
Outro tempo começou pramim agora
 

Referências Bibliográficas

Borloti, E; Fonseca, K.A; Charpinel, P; Lira. K.M. (2009) Uma análise etimológico-funcional de nomes de sentimentos. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva jun, vol.11, no.1, p.77-95.
Darwich, R. A., & Tourinho, E. Z. (2005). Respostas emocionais à luz do modo causal de seleção por conseqüências. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, 7, 107-118.   
Guilhardi, H (2004) Considerações sobre o papel do terapeuta ao lidar com os sentimentos do cliente. In: Maria Zilah Brandão, Fátima Cristina de Souza Conte, Fernanda Silva Brandão, Yara Kuperstein Ingberman, Vera Menezes da Silva e Simone Mertin Oliane (Orgs). Sobre Comportamento e Cognição: Expondo a variabilidade. Santo André: ESETec, v. 13, p. 229-249.
Meyer, S. B. (2001) A relação terapeuta-cliente é o principal meio de intervenção terapêutica?. In: Hélio José Guilhardi; Maria Beatriz Barbosa Pinho Madi; Patrícia Piazzon Queiroz; Maria Carolina Scoz. (Org.). Sobre Comportamento e Cognição: Expondo a variabilidade. Santo André: ESETec, v. 8, p. 95-98.
Skinner, B.F. (1994) Ciência e Comportamento Humano, 9ª edição. (Tradução de J. C. Todorov & R. Azzi). São Paulo: Martins Fontes. (trabalho original publicado em 1953).
Skinner, B. F. (2006). Questões recentes na análise comportamental, 6ª Edição (Tradução de A. L. Neri). Campinas: Cultrix. (trabalho original publicado em 1989).
Zamignani, D. R., & Banaco, R. A. (2005). Um panorama analítico-comportamental sobre os transtornos de ansiedade. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, 7, 77-92

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