quarta-feira, 11 de junho de 2014

LENILDE FREITAS - POESIA.NET =- S PAULO - BRASIL

Número 311 - Ano 12
São Paulo, quarta-feira, 11 de junho de 2014

«Tudo na alma 
é algaravia.»
(Antonio Brasileiro) *

Caros,

O poesia.net tem a honra e o prazer de revisitar o 
trabalho de uma escritora
 que já compareceu a esta página em duas outras ocasiões, nas edições n. 251,
 em junho de 2008, e n. 275, em março de 2012. Trata-se da poeta Lenilde Freitas. 
Desta vez, ela concede ao boletim e aos seus leitores a oportunidade de ler uma suíte
 de quatro poemas inéditos.

Paraibana de Campina Grande (1939), Lenilde Freitas radicou-se no Recife, onde obteve

 a graduação em Letras. Fez também especializações em poesia na Universidade Vanderbilt, 
nos Estados Unidos. Artista de dicção econômica e essencial, Lenilde já mereceu apreciação 
positiva de nomes destacados da crítica literária, como Antonio Candido e Fábio Lucas.

A obra de Lenilde Freitas reúne até o momento os seguintes títulos: Desvios(1987); 

Esboço de Eva (1987);Cercanias (1989); Espaço Neutro(1991); Tributos (1994);
 Grãos na Eira(2001);
 A Casa Encantada (poesia para crianças, 2009); e A Corça no Campo(2010).

Não pretendo estender-me sobre as características gerais da poesia de Lenilde Freitas,

 para não chover no molhado. Convido o leitor a (re)visitar os boletins n. 251 e 275,
 nos quais poderá ler outros poemas da autora, assim como observações sobre sua poesia.                      •o•

Passemos aos quatro poemas inéditos. O primeiro, “Reveses da Sorte”, constitui o

 lamento por uma grande perda. O segundo, “Pintura Quase Abstrata”, a pessoa que
 fala se mostra perdida, sem rumo, e afirma já não reconhecer nem a si mesma nem os
 traços do ser amado, de quem se encontra separada.

O terceiro poema é um soneto que mantém o mesmo tom menor reinante nos anteriores.

 O título é “Saudade”, sentimento definido como um voo em declive. Na melhor tradição 
shakespeariana, o soneto se conclui na esperança de que a vida permaneça naquilo que cantamos
 – ou seja, que a arte sobrepuje a morte.

O último poema retorna ao tom de lamentação diante do sossego perdido, que teria sido

 levado para longe pela pessoa amada. Quando me enviou a suíte, a autora  batizou-a, de modo 
bem nerudiano, como “Três Poemas de Amor e Uma Canção Desesperada”. Mas avisou que esse título
 poderia ser deixado de lado. Não sei, talvez seja o caso de manter esse título.

Um abraço, e até a próxima. 


Lenilde Freitas

A saudade voa em declive

Lenilde Freitas



Matisse - Mulher diante de aquário
Henri Matisse (1869-1954), francês, Mulher Diante de Aquário


REVESES DA SORTE

Vida! Não te peço nada
que não me possas dar.

O que eu mais amei
logo tirou-me a sorte.

No dia em que levou
— em vez de me levar —

o que eu chamei: Vida
e o mundo chamou: Morte.


Matisse - Os marroquinos
Henri Matisse, Os Marroquinos

 

PINTURA QUASE ABSTRATA


Na vaguedad em que esboço nossos traços
nesse não ter visto quando vi
já nem sei se são riscos, se retratos
já nem sei de quem são estes perfis.

A quem devo recorrer agora
que afastei o meu olhar do teu?
Abro a porta e saio noite afora:
para onde ir se está escuro
se — eu te asseguro —
já não sei quem és, nem quem sou eu?



Matisse - La musique
Henri Matisse, A Música



SAUDADE


Saudade é lembrar seja o que for
de belo, na escassez em que se esteja
no pouco acrescentar e até repor
se a alma permitir que assim seja.

Saudade é voar, mesmo em declive
ir longe com o olhar, igual condor
viver do que em nós ainda vive
sem nunca revestir-se do incolor.

E por fim quando tudo for distância
— varandas, redes, luas e telhados —
no pátio iluminado de infância

Se a sombra chegar sem que a ouçamos
com seus passos macios, aveludados
a vida há de ficar no que cantamos.

Matisse - Mmme Matisse
Henri Matisse, Madame Matisse - Turbante Vermelho



ACHADOS E PERDIDOS


Onde deixaste o meu sono
minha fome, minha alegria?
Aonde levaste as minhas lágrimas
os meus versos, meu sossego
minhas palavras cobertas
por magmas de covardia?
Onde escondeste os segredos
meu ardor e minha vida
onde puseste o amor
os meus sonhos e os meus medos?
O tudo que antes existiu
e o nada que agora existe
aonde e por onde andam?
Quando e a quem os levaste?
Com quem os dissipaste?
Com quem os distribuíste?



  Lenilde Freitas
   Poemas inéditos cedidos pela autora.
______________
* Antonio Brasileiro, "Algaravias", in 

Dedal de Areia (2006)
______________
- Todas as imagens são quadros de Henri Matisse 

(1869-1954), artista francês
poesia.net www.algumapoesia.com.br
Carlos Machado, 2014





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