Dalila Teles Veras
COM A POESIA NO MEIO DA RUA
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Dalila Teles Veras
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Sarah Sedwick, americana, Tigela com ameixas vermelhas
BECOS
quem tem caminho reto não se mete em vereda, aconselhava-
me a mãe, o medo do sobressalto a escorrer do afeto, sem
saber que as descobertas se revelam apenas no entrecruzar do
caminho e a conquista à saída do labirinto
os becos e seus inocentes nomes de santos não atendem à
demanda de mercado, insignificantes artérias esquecidas,
deixam que a cidade cresça ao seu redor e ficam ali, pulsantes
e vingados, tênues sopros de resistência e muda contestação,
negação ao gigantismo, sedução para o não cumprimento do
conselho
Sarah Sedwick, O vestido marrom
BANCOS
a despeito de todas as precauções em depositar no lugar
apropriado tudo aquilo que lhe pareceu suspeito (óculos,
celular, chaves), o autoritário equipamento detector de metais
dispara. a cidadã é barrada à entrada do recinto destinado aos
deuses protetores dos juros e dos índices bovespa e dow jones.
espoliada de sua dignidade, a humilhada ré descobre que um
prosaico batom esquecido na bolsa fora o causador do suposto
atentado. finalmente liberada, resta ainda enfrentar os olhares
em fila, irados pela demora e que, ato contínuo, despem-se de
seus pertences, rumo à esperança da própria liberação
Sarah Sedwick, Lírio cor-de-rosa junto à janela
SALA DE ESPERA QUATRO
mãe recente, bebê ao colo, para a mãe em vias de:
— cresce cinco milímetros por dia, engorda trezentos gramas ao mês,
emagrece depois de nascido, mas recupera o peso após o primeiro
mês de vida. engordei quinze quilos, um horror! dura espera, dói, mas
passa...
a vida-matemática, certeira e fatalista
Sarah Sedwick, Beleza cor-de-rosa
AS FAXINEIRAS DO EDIFÍCIO
surpreendentemente
(não obstante os dez mil, quatrocentos e trinta e um degraus,
os oito mil, trezentos e vinte metros quadrados de piso, as
quatrocentas e quinze vidraças e as três toneladas de lixo à
espera de varrição, transporte e limpeza)
cantam...
Sarah Sedwick, Nia
DÚVIDAS AMOROSAS
Vê como os búzios caíram
Virados p'ra Norte
Pois eu vou mexer no destino
Vou mudar-te a sorte
Os búzios, Jorge Fernando
AMARRAMENTO INFALÍVEL
TRAGO A PESSOA AMADA EM 7 DIAS
(cartaz colado em poste de luz)
que tipo de corda amarra o amor?
qual o tipo de nó?
(marceneiro
marinheiro
escoteiro
construtor?)
depois de amarrado, que é feito do amor?
(sete dias para atar — quantos para desatar?)
amor amarrado ama?
Amigas e amigos,
Uma das características que saltam aos olhos na poesia de Dalila Teles Veras é sua íntima adesão à realidade, ao fato cotidiano, ao acontecimento destituído de contornos previamente convencionados como “poéticos”. Esta observação era verdadeira quando a poeta compareceu pela primeira vez a esta revista eletrônica (no boletim n. 72, onze anos atrás) e continua válida até agora.
Naquela edição já quase remota, o boletim mostrava poemas de Dalila contidos no volume Vestígios (2003). Nesse livro, a autora reúne poemas escritos com base em uma experiência dolorosa: o desaparecimento da mãe, após a convivência com médicos, hospitais e tecnologias curativas. Peripécias do cotidiano. Desassossego.
Desta vez, os poemas que compõem a microantologia do boletim foram extraídos de duas outras coletâneas de Dalila Teles Veras: Retratos Falhados (2008) e Estranhas Formas de Vida (2013). Do primeiro, selecionei quatro momentos breves nos quais a poeta consegue extrair poesia de situações inusitadas. Peripécias do cotidiano. Desassossego.
Em “Becos” faz-se um paralelo entre os prudentes conselhos de mãe e os caminhos que o filho ou filha acaba escolhendo pela vida afora. O conselho manda ir pelo caminho reto, para evitar as surpresas dos becos e veredas tortuosas. No poema percebe-se que “as descobertas se revelam apenas no entrecruzar do caminho” e que só se realizam conquistas depois de completar a “saída do labirinto”. Enfim, cautelosa mamãe: viver é perigoso, como repete o jagunço-filósofo Riobaldo. E sempre se há de correr algum risco.
O poema “Bancos” retrata aquele momento desagradável em que a cidadão ou o cidadão é barrado na porta giratória do banco. Com ironia, diz o texto: “a cidadã é barrada à entrada do recinto destinado aos deuses protetores dos juros e dos índices bovespa e dow jones”.
Na “Sala de Espera Quatro”, ocorre um diálogo trivial e, ao mesmo tempo, técnico ― mais uma vez, orientado pelos imbatíveis cuidados maternos. De mãe para futura mãe, conselhos e informações úteis sobre o bebê e o exaustivo exercício da maternidade. De todo modo, avisa a mais experiente: “Dói, mas passa”.
Dos quatro poemas extraídos de Retratos Falhados, “As Faxineiras do Edifício” representa o momento mais pungente. Sim, as mulheres do título cantam, apesar de tudo.
Vem, por fim, o poema “Dúvidas Amorosas”, pertencente ao volumeEstranhas Formas de Vida. Mais uma vez, o ponto de partida é algo trivial (na rua, não na poesia): um cartaz colado num poste com anúncio de pessoa com poderes mágicos capazes de volta a pessoa amada. Pelo que se entende, não só trazê-la como “amarrá-la”, para nunca mais sair. Ao que pergunta, com ironia, a poeta: “amor amarrado ama?”
Dalila Teles Veras é luso-brasileira. Nasceu na ilha da Madeira (1946), mas vive no Brasil desde 1957. Poeta e cronista, tem mais de uma dúzia de títulos publicados. Ativista cultural, coordenou diversos projetos de divulgação literária. Foi diretora e secretária-geral da União Brasileira de Escritores (SP). Desde 1992, Dalila criou e dirige um ambiente cultural próprio, a Alpharrabio, um misto de livraria, editora e espaço para eventos, com sede em Santo André, na área metropolitana de São Paulo.
Para saber mais sobre a escritora, visite seu site:
Um abraço, e até a próxima.
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