sábado, 31 de maio de 2014

FCCV - CLÁUDIA E AMARILDO: CARA E COROA DA VIOLÊNCIA


FCCV

Leitura de fatos violentos publicados na mídia

Ano 14, nº 04, 22/04/2014

CLÁUDIA E AMARILDO: CARA E COROA DA VIOLÊNCIA


Mais uma vez, vamos falar de Amarildo. Aos 47 anos de idade, em 14 de julho de 2013 , Elizabete Gomes da Silva, tem seu marido levado por policiais da Unidade de Polícia Pacificadora da Rocinha e nunca mais ele voltou. Contando com o apoio do tecido comunitário em que vive, ela faz buscas e começa a observar que as autoridades policiais não respondem adequadamente a sua queixa. Aos poucos, a procura pelo pedreiro foi ganhando força e transbordando o âmbito da comunidade. O ponto de saliência em torno do qual o caso ganha prospecção está no fato de o morador ter sumido após ter sido levado pela polícia, em uma viatura, para a Unidade de Polícia Pacificadora da emblemática comunidade da Rocinha.Isto ocorreu em um lugar que atraiu a mídia para dizer que a vida ali mudou com a entrada de forças policiais e de outros serviços cuja somatória passou a ser reconhecida como resgate do lugar pelo Estado, dando-se fim à tirania do poder paralelo que imperava no ambiente. A nova situação passa a ser verbalizada pela insistente referência: presença do Estado. A Rocinha foi a segunda comunidade a receber uma UPP. O marco discursivo relativo àquele espaço sofreu uma alteração, evidenciando-se o fim de um tempo de insegurança e a consequente alegria de serem protegidos aqueles que ali habitam. Em lugar do medo, foi estimulado um orgulho de habitar em local tão bonito, tão especial. A polícia, desde então, está na área para garantir a segurança da população, e toda a sorte de operação simbólica foi feita no sentido de se demonstrar a natureza especial da polícia da UPP.

Isto ocorreu em um lugar que atraiu a mídia para dizer que a vida ali mudou com a entrada de forças policiais e de outros serviços cuja somatória passou a ser reconhecida como resgate do lugar pelo Estado, dando-se fim à tirania do poder paralelo que imperava no ambiente. A nova situação passa a ser verbalizada pela insistente referência: presença do Estado. A Rocinha foi a segunda comunidade a receber uma UPP. O marco discursivo relativo àquele espaço sofreu uma alteração, evidenciando-se o fim de um tempo de insegurança e a consequente alegria de serem protegidos aqueles que ali habitam. Em lugar do medo, foi estimulado um orgulho de habitar em local tão bonito, tão especial. A polícia, desde então, está na área para garantir a segurança da população, e toda a sorte de operação simbólica foi feita no sentido de se demonstrar a natureza especial da polícia da UPP.

  


 



























































É deste lugar-fetiche que some o pedreiro, de modo misterioso, deixando-se a má impressão de que a Rocinha tem a mesma insegurança de sempre. Ocorre, então, semelhante a uma reação química, uma corrosão da imagem recém-construída de uma polícia protetora da comunidade. E há um agravante: É justamente a polícia da UPP, aquela presença típica do Estado, a responsável pelo sumiço e morte de Amarildo.

O episódio teve a força de produzir um conjunto de outros episódios e, sobretudo, a capacidade de alcançar, midiaticamente, um marco discursivo próprio, inconfundível. Amarildo tornou-se uma marca na crônica jornalística. Nesta condição de símbolo, o caso passa a ser facilmente associado ou rememorado pelo público diante de novas ocorrências nas quais as forças policiais operam dentro de moldes opostos às suas funções, cometendo falhas e crimes contra os cidadãos que deveriam ser por elas protegidos.
Não há como não se lembrar do caso Amarildo quando a polícia carioca protagoniza mais uma história cruel. Desta vez, o rastro é exposto publicamente e suas imagens passam a circular em todos os meios de comunicação. Agora é uma mulher que é alvejada por policiais em Madureira e, em seguida, os agentes a colocam na parte traseira de um camburão (onde, normalmente, são colocadas pessoas detidas) e a levam, supostamente, para um hospital. Entretanto, as portas do fundo do veículo se abrem e a mulher ferida é lançada à rua. O policial, condutor do veículo, continua o seu caminho por mais 300 metros, enquanto Cláudia é arrastada sobre o asfalto, até que o carro pare nessa espécie de máxima contramão. Aí, Cláudia já está morta.
Diferente do sumiço de Amarildo, Cláudia é imagem visual de seu padecer derradeiro, exposto ao mundo. Carne viva vai morrendo ao longo da via pública, enquanto é dia, enquanto se vê a cena inacreditável. Uma possibilidade a mais de ser e morrer Amarildo. Uma outra probabilidade de ser polícia.
Também se pode dizer que a morte de Cláudia, com sua trágica visibilidade pública, presta-se como indireta prova da morte de Amarildo, pois aquela bárbara exibição aponta para aquele caso em si e também para a possibilidade de infinitos casos de perecimentos determinados por agentes das forças públicas. Esta história encerra uma moral desencantada e desencantadora: se isto é possível, onde estaria o impossível?
Pensem em Cláudia caindo do camburão, batendo o seu corpo contra o chão, sentindo as dores e vendo a morte se aproximando enquanto o carro que a transporta, dependurada, continua em movimento, indiferente à sua última impotência diante de um poder que a constringe morrer


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Desta imagem podem ser deduzidos outros scripts fatais. Amarildo e Cláudia se completam, levando-se em conta o teor oculto (Amarildo) e o caráter explícito (Cláudia) das violências policiais, mas não esgotam as possibilidades bárbaras que tornam sombrias as nossas esperanças.

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