segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

FCCV - A NOVIDADE É QUE ABEL NÃO MORRE MAIS, CAIM






Leitura de fatos violentos
publicados na mídia.
Ano 12, nº 23, 03/12/2012
Salvador - Bahia - Brasil

 

 A NOVIDADE É QUE ABEL
 NÃO MORRE MAIS, CAIM

Entre as notícias relacionadas com o mundo do crime e publicadas em 27 de novembro de 2012, uma desperta a atenção por ser uma trama de família. A irmã e o cunhado do deputado federal João Carlos Bacelar foram presos, acusados de extorsão, em Salvador. De acordo com as informações veiculadas, o parlamentar denunciou a invasão de sua conta de e-mail à polícia e assim foram identificados mais de 600 acessos impróprios. A partir do conteúdo das mensagens indevidamente apropriadas, os acusados passaram a ameaçar o parlamentar através de chantagens.  A lógica aplicada pelos golpistas é conhecida: diante das ameaças de tornar públicas informações comprometedoras, a vítima deve ceder às exigências de seus algozes. No caso específico, o político deveria abrir mão de 50 milhões de reais referentes à herança da família em favor da sua irmã Lilian e do seu cunhado, André.

Como é possível observar, o “modus operandi” já está inserido no cardápio do mundo do crime há bastante tempo, podendo-se dizer que se trata de um crime clássico e que consiste no emprego de informações avaliadas pelos criminosos como altamente danosas para a vítima se forem conhecidas pelo grande público. Desta vez, os autores do ilícito, estimaram que os seus segredos valessem 50 milhões no “mercado da informação sigilosa”.
É possível que o “laço fraterno” existente entre a algoz e a vítima tenha sido incluído nos cálculos dos acusados como aspecto favorável aos mesmos, dada a importância da imagem de “boa família” para um deputado federal. É provável, portanto, que este atributo tenha sido analisado pela dupla como componente capaz de limitar a ação da vítima aos estritos bastidores parentais, afinal se aprende desde as campanhas políticas que o homem público não deve ter sua família envolvida em atividades tão degradantes, ao contrário, nas representações dos candidatos a cargos públicos, a família se inscreve como aspecto que dá lastro e, portanto, garantia àquele membro. Avós, pais, irmãos, marido, mulher, filhos e netos são incorporados às qualidades dos candidatos com o intuito de lhes conferir pontos no mercado eleitoral. Se o parentesco é usado como substância que dá aval aos candidatos, por certo, as situações que envolvem atividades criminosas de familiares e aquelas que desbotam a imagem de harmonia entre os membros da família devem ser ocultadas para evitar a depreciação do parlamentar em quesito tão delicado. Toda discrição sobre os defeitos é buscada e são acentuadas as virtudes como únicas características do núcleo familiar.
A dupla suspeita de extorsão trouxe para o âmbito da família um tipo de crime que tem vicejado no domínio público à semelhança do irmão do ex-presidente Collor de Mello, da esposa de Celso Pita, entre outros. Trata-se de uma forma de delito que para ser realizado necessita, normalmente, de contar com a convivência junto à vítima, para se chegar à traição, através de confidências indiscretas. É uma modalidade de ação que tem feito vulneráveis personagens importantes do mundo inteiro que são traídos por dossiês, “pastas rosas”, gravações em celulares, fotografias e similares.
O insucesso dos acusados, no caso descrito, parece estar relacionada com a imprevista reação do deputado que, dentro do critério cultural aqui explorado, não teria poupado a família – a irmã – diante da situação exposta e usou a seu favor a arma capaz de retirar de Lilian o mesmo poder em armações futuras. Agora, ela fica sem a força da “ficha limpa” para promover escândalos avaliados em 50 milhões de reais.
Em tempos em que estão na moda os acertos de contas com a justiça, a resposta do deputado pode até ficar simpática junto à opinião pública, mas é sempre necessário lembrar que ele foi premido por uma circunstância rara: a ameaça de perder 50 milhões de reais. É uma história que realça o quanto o mundo privado tem sido determinante para a conduta do homem público e vice-versa. É também uma oportunidade para se refletir sobre as possíveis traduções do conflito bíblico que envolve Caim e Abel em nosso tempo.


Lílian e seu companheiro confiaram em um comportamento a ser desempenhado pela vítima e foram traídos por esta expectativa. Quem sabe estejam ressentidos e pensando que “já não se fazem mais irmãos como antigamente!”.


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