sábado, 8 de agosto de 2015

AFONSO FELIX DE SOUSA - POESIA.NET - S PAULO




 


poesia.net 337 - Afonso Felix de Sousa
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Número 337 - Ano 13
São Paulo, quarta-feira, 5 de agosto de 2015
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«Nenhum tempo passou /
desde os cajás /
  molhados nos lábios do verão.» 

(Lenilde Freitas) *
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Afonso Felix de Sousa (1925-2002)
 
Afonso Felix de Sousa




Máscaras de gosto e desgosto
Afonso Felix de Sousa

De Chirico - Orfeu Trovador Cansado -1970
Giorgio de Chirico, italiano, Orfeu Trovador 
Cansado (1970)




[NOS RECANTOS TRANQUILOS ENCONTRAVA]


Nos recantos tranqüilos encontrava
a poesia. Sobre mim e o rio
debruçavam-se as árvores. Os pássaros
eram ecos nos seus primeiros cantos.

Ruas de chuvas leves, nunca o inverno.
Com o menino brincar vinham as tardes
e vinha o céu. Adeus, nuvens cinzentas
onde vagam os monstros meus da infância.

Já não vibram as músicas ingênuas
na planície escutadas. A poesia
difícil se tornou e vive em sombras.

Em mim que tanto amei hoje às palavras
movem-se para ásperas mensagens
e vão morrer na incompreensão dos gestos.


De Chirico - São Jorge Matando o Dragão - 1940
De Chirico, São Jorge Matando o Dragão (1940)



ESCRITO NA AREIA


De água somos. E pó. E choro. E riso.
E há um sol que arde em nós.
O sol aviva o chão, o chão que piso
E nós pisamos. Sós.




De Chirico - Retrato de Clarice Lispector - 1945 De Chirico, Retrato de Clarice Lispector (1945)    
TROCADERO, 1955
Enquanto eu te esperava, enquanto se desfazia
a espuma no copo de cerveja, eu ia escrevendo
palavras sem sentido e nenhum nexo numa folha
de papel que, como a recortar um lagarto
cujos pedaços continuassem teimosamente vivos,
rasguei em pedacinhos, cada um deles
com uma letra e cada sequência de letras,
como se num sonho ou num poema dadaísta,
dando um sentido ao que dentro e fora
de mim se passava e se resumia num grito mudo
de quem se despede e sabe que está se despedindo
para sempre, e sabe também que numa despedida
pedaços de nós como que amputados se destacam
e vão ficando teimosamente vivos pelo caminho
.




De Chirico - Pranto de Amor - Heitor e Andrômaca - 1974
De Chirico, Pranto de Amor - Heitor e Andrômaca (1974)


MÁSCARAS


A vida nos põe no rosto
máscaras de gosto e desgosto
que o tempo afoga
em espelho sem nexo
e sem tamanho
onde fica o reflexo
do rosto de um estranho
que se interroga



De Chirico - Piazza d'Italia -  De Chirico, Piazza d'Italia (1913)
TARDIA ELEGIA PARA SYLVIA PLATH
Sem bater à porta
chego à soleira
do teu delírio

Sem lira ou lírio
feito um verme faminto
me adentro por teus olhos
e roubo e roo
visões que se desfazem
e se refazem
e te apavoram
e te alimentam
enquanto vão te lambendo
as línguas geladas
da morte

Línguas do inferno
oh the tongues of hell

Traduzo-te as palavras
e o que há por trás das tuas
palavras
(What does it mean?)
e sinto-te bela
como se estivesse entrevendo

numa rua de Londres
no outono
de mil novecentos
e cinqüenta e nove
e próxima
como se nos amássemos
há três dias
há três noites
há milênios

Enquanto te traduzo
línguas do inferno
chegam às soleiras
do coração
da mente

Querem lamber-me
e queima-me a tua febre
e molha-me o suor
de tua pele
e tudo o que vês e deixas
de ver
e eu vejo
de dentro de teus olhos
vai-se cobrindo
das cinzas de Hiroshima. 





De Chirico - O Canto de Amor -1914 
De Chirico, O Canto de Amor (1914) 

50 ANOS
Prossegue o jogo
mas já de cartas marcadas
a ferro e fogo.


Amigas e amigos,

Nascido em Jaraguá-GO, 

Afonso Felix de Sousa (1925-2002)
 foi poeta, cronista, jornalista e tradutor.

 Publicou seus primeiros poemas em
 jornais goianos no início dos anos 40. 
Mudou-se para o Rio de Janeiro em 1947 
e em seguida para Brasília, em 1962. 

Profissionalmente, foi economista, 
funcionário do Banco do Brasil, 
jornalista do Diário Carioca e adido 
comercial da embaixada brasileira em 
Beirute, Líbano.


Sua estreia em livro se dá em 1948, com o livro 

O Túnel, publicado no Rio de Janeiro. 
Daí seguiu-se mais de uma dezena de 
títulos, dos quais o último foi Chamados
 e Escolhidos, reunião de poemas
 publicada em 2001.


Afora a poesia autoral, Afonso Felix de Sousa

 traduziu autores como o espanhol 
Federico García Lorca (Romanceiro Gitano
1957; Sonetos do Amor Obscuro e Divã do 
Tamarit, 1988); o inglês quinhentista John 
 Donne (Sonetos de Meditação, 1985); e o 
francês quatrocentista François Villon 
(Testamento, 1987). Nota-se, portanto, 
que o poeta dominava vários idiomas.

No plano pessoal, Afonso Felix de Sousa

 foi casado com a também poeta e contista 
amazonense Astrid Cabral.
•o•
Os poemas de Afonso Felix mostrados 
aqui foram todos retirados do volume 
Chamados e Escolhidos. Abre a seleção 
o soneto “[Nos recantos tranquilos encontrava]”, 
publicado originalmente na seção “Sonetos 
Elementares” do primeiro livro do poeta, O Túnel
Lírico e saudoso, esse texto constrói-se com base 
nas recordações de infância do poeta. 
“Com o menino brincar vinham as tardes / 
e vinha o céu”.


Vem a seguir o quarteto “Escrito na Areia”, 

 integrante do livro À Beira de Teu Corpo (1988). 
Aqui o poeta reflete sobre a condição humana e a
 essencial solitude de cada indivíduo. “Trocadero, 
 1955” aparece na seção Poemas Dispersos, em 
Chamados e Escolhidos. O texto parece registrar 
uma impressão despertada por uma lembrança da 
famosa Praça do Trocadero, em Paris.


É a indagação existencial, mais uma vez, que perpassa 

os versos de “Máscaras”. O ser humano diante do
 espelho e um feixe de perguntas inevitáveis. 
Quem sou? Quem é esse estranho que vejo no reflexo? 
“A vida nos põe no rosto / máscaras de gosto e desgosto”,
 diz o poeta.


Em “Tardia Elegia para Sylvia Plath”, do livro

Quinquagésima Hora (1987), a pessoa que fala 
dirige-se à poeta suicida e tenta penetrar na mente
 dela e aproximar-se de suas angústias e delírios.
 Vem, por fim, o poema “50 anos”, que dá um 
tratamento sumaríssimo, de haikai, ao tema do natural 
declínio do corpo após a quinquagésima rotação em 
torno do sol. A partir daí, o jogo da vida se assemelha 
a uma trapaça, porque já se sabe claramente quem
 sairá vencedor.
Um abraço, e até a próxima.Carlos Machado

•o•


LANÇAMENTO


Tesoura Cega
• Carlos Machado
Tesoura CegaConvido os amigos de Salvador 
para o lançamento de meu novo 
livro de poesia, Tesoura Cega, 
publicado pela Dobra Editorial.

Quando:
Sábado, 22/08/2015,
das 10h às 13h

Onde:
Livraria JHANA
Shopping Boulevard 161
Rua Anísio Teixeira, 161
Salvador - BA
Tel: (71) 3358-7416
 

•o•


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Carlos Machado, 2015

Afonso Felix de Sousa 
* In Chamados e Escolhidos
   Record, Rio de Janeiro, 2001
_____________
* Lenilde Freitas, "A Castro Alves", em Tributos (1994)
______________
- Imagens: trabalhos deGiorgio de Chirico (1888-1978), pintor italian

o.
   

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