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«A sombra do berço traça na parede / uma gaiola enorme.» (Elizabeth Bishop) *
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Antonio Brasileiro
Caros,
O poeta, pintor e ensaísta baiano Antonio Brasileiro (1944-) já foi apresentado neste correio poético na edição n. 26, dez anos atrás. De lá para cá, ele não só produziu regularmente como também publicou diversas coletâneas de poesia, entre as quais Poemas Reunidos (2005), Dedal de Areia (2006) e Desta Varanda (2011).
A leitura desses volumes revela um poeta de estilo cada vez mais marcante e refinado que se inscreve, sem dúvida, entre as vozes mais expressivas da atual poesia brasileira.
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Leia-se, por exemplo, o poema “Relato”, de Desta Varanda. Ali está um pedaço terrível da vida de hoje nas grandes cidades. Carros, engarrafamentos, ruídos, grunhidos. E um final violentíssimo. O narrador, confortavelmente instalado em sua varanda, apenas relata.
Isso me lembra o documentário Um Lugar ao Sol (2009), de Gabriel Mascaro, que trata do universo dos moradores de coberturas de luxo em três grandes cidades brasileiras, Recife, Rio de Janeiro e São Paulo. Uma das entrevistadas, moradora de uma cobertura carioca, diz que assiste do alto aos tiroteios entre traficantes. E que as balas tracejantes constituem um espetáculo “lindo”, assim como fogos de artifício. Atenção, repito: não estou falando de uma história de ficção, mas de um documentário! Então, o que parece absurdo ou exagerado neste “Relato” de Antonio Brasileiro não é uma coisa nem outra. É apenas vida urbana.
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O segundo poema da pequena seleção ao lado é “O Cavaleiro”. Na verdade, transcrevo aqui apenas o primeiro bloco dessa suíte épico-melancólica, dividida em 27 partes. Ambiciosa, a obra revisita o Cavaleiro da Triste Figura de Cervantes, que reaparece nos dias atuais como poeta drummondiano. E os moinhos que ele enfrenta não são de vento: “Contra moinhos de aço na metrópole de aço, / o cavaleiro em sua carne e osso”. É também um poeta que, mais adiante, em trecho não mostrado aqui, apresenta sua verdadeira arma, que não é a espada ou a alabarda, mas um instrumento de escrita: “Empunha o grande lápis, faz-se infinito” (parte 12).
Outra diferença desse herói em relação ao modelo medieval está em sua esperteza filosófica, em sua incredulidade diante de um mundo de propaganda e mesmo diante de seus poderes de herói. Um Cavaleiro poeta e criança, que se distrai jogando gude com Sancho, seu leal escudeiro. Um Cavaleiro que chora. Esse poema — do qual recomendo a leitura completa — é seguramente uma das peças mais envolventes produzidas na poesia brasileira durante os últimos anos.
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Nos textos da miniantologia ao lado, assim como em toda a sua já extensa obra, Antonio Brasileiro mostra-se dono de uma poesia reflexiva e filosófica, que não para de escarafunchar os aspectos obscuros de nossas pequenas e grandes trapaças existenciais e desmascarar as aparências enganosas da vida.
Aprecie, em especial, as tortuosidades do pensamento em “O Andar da Carruagem”. Poema típico do estilo brasileiriano, não dá sossego ao leitor. Todas as supostas verdades ditas e assentadas são questionadas por novas afirmações ou redimensionamentos, que por sua vez também se tornam alvos de outras dúvidas. Assim é a vida, não é? Quem sabe?
No livro Passeios na Ilha (1952), Drummond diz que o poeta Emílio Moura, muito indagador em seus poemas, escreve “sob o signo da pergunta”. Por um raciocínio similar, talvez se possa dizer que Antonio Brasileiro é o poeta da dúvida.
Um abraço, e até a próxima.
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RESPOSTA E PERGUNTA
No corredor do hospital — enquanto era levada à sala de cirurgia para operar um câncer que viria a matá-la —, a poeta americana Gertrude Stein (1874-1946) indagou à sua companheira Alice Toklas: “Qual é a resposta?” Como a outra se manteve calada, ela retornou: “Então, qual é a pergunta?”
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CORREÇÕES
Na edição anterior, poesia.net n. 292, dois erros precisam ser corrigidos. A cidade natal de Amélia Pais é Fornosde Algodres, Portugal. Também, no final do segundo parágrafo, deixei passar um pequeno pastel. O trecho deve ser lido deste modo: “Escreveu ensaios sobre Camões e Fernando Pessoa (seus poetas preferidos) e Gil Vicente, bem como uma história da literatura portuguesa.”
Essas correções precisavam ser feitas para quem recebeu o boletim por e-mail. A versão do site já foi corrigida.
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