HÁ 50 ANOS ERA INCENDIADA
A FEIRA DE ÁGUA DE MENINOS
SALVADOR - BAHIA - BRASIL
A FEIRA DE ÁGUA DE MENINOS
SALVADOR - BAHIA - BRASIL
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O Incêndio da Feira de Águas de Meninos – 1964
O Incêndio da Feira de Águas de Meninos – 1964
O INCÊNDIO DA FEIRA DE ÁGUA DE MENINOS EM 1964
Peterson Jorge da Silva Bastos [1]
RESUMO: O artigo propõe-se analisar as mudanças nas relações políticas, sociais e econômicas que ocorreram na Cidade do Salvador ao longo do século X, em destaque, o incêndio da Feira de água de Meninos em 1964. Para este fim, retornamos um pouco na história da Bahia, precisamente, ao período colonial e ao Império, para percebermos os conflitos da época que marcariam as disputas políticas na República. Esse último, de suma importância para se entender o trágico fim da feira, os interesses em jogo, os caminhos adotados para a modernização da Bahia, principalmente a modernização da capital, bem como, os diferentes projetos que visavam tirar Salvador do atraso.
Palavras-Chave: Sociedade senhorial, República, Modernização, Feira de Água de Meninos, incêndio.
IMTRODUÇÃO
Nosso artigo tem como principal objetivo, construir uma análise sobre o incêndio que destruiu a Feira de Água de Meninos. Como referência, tomaremos o Jornal Estado da Bahia do dia 8 de setembro de 1964. Ano de suma importância para o Brasil, pois, se trataram de um período de intensos conflitos sociais, políticos e econômicos. Principalmente para os trabalhadores da feira que se encontravam no meio de um processo que visava à modernização de Salvador. Para tal, discutimos o contexto social, político e cultural desde o período colonial até 1964.
Na primeira parte, resgataremos um pouco da história da formação social da freguesia do Pilar, local que abrigou a feira até sua destruição. Tratamos em seguida, das contradições existentes entre os dois sistemas que transformou a Bahia ao longo dos séculos, abordando o sistema senhorial e, o republicano. Na segunda parte, damos enfoque ao histórico da feira e de alguns aspectos que interferiram diretamente na longevidade da mesma, esse ponto, inclui também, as medidas e os projetos modernizadores de Salvador. Na terceira parte, falamos do incêndio, do golpe militar, já que era o ano de 1964, e analisamos a fonte primária que aborda o incêndio da Feira de Água de Meninos.
Como metodologias foram utilizadas fontes secundárias como as obras dos historiadores Anna Amélia Vieira Nascimento – Dez Freguesias da Cidade do Salvador, a obra de Alfredo Matta – Governadores e Interventores da Bahia Republicana de 1950 a 1980, e o artigo de Karina Pinto Uchoa – O Incêndio em Água de Meninos. Na segunda parte, sobre o histórico da feira, tomamos como fonte, parte da pesquisa em andamento de Elizângela Rodrigues Ataíde – A Feira de Água de Meninos: (1959 – 1964), e a obra de Alfredo Matta – Governadores e Interventores da Bahia Republicana de 1950, para abordarmos mais uma vez as tensões políticas da época. Na terceira Parte, exploramos as matérias fornecidas pelo jornal Metrópole, Jornal Estado da Bahia em suas diversas publicações sobre o incêndio, a obra de Uchoa, de Ataíde, e de Cotrim para falarmos do golpe de 1964. Bem como, a elaboração de uma análise da fonte primária, o jornal Estado da Bahia de 8 de setembro de 1964.
Sendo assim, a produção deste artigo, visa colaborar com a produção acadêmica e aumentar a diversidade de trabalhos sobre o tema. Fugindo da pretensão de esgotar o debate, dado as diversas visões que podem surgir sobre o incêndio, o pequeno tempo de pesquisa e a fartura dos processos que duraram dezessete anos.
CONTEXTO GERAL
Formada na região de Água de Meninos em Salvador, a feira em destaque, que por sinal leva o mesmo nome do local, é remanescente da antiga Freguesia do Pilar, sede dos comerciantes portugueses que ali moravam.
De acordo com Anna Amélia Vieira, em seu livro Dez Freguesias da Cidade do Salvador, “o Pilar era, em parte residência de muitos portugueses ou brasileiros adotivos, onde se instalavam com suas famílias, ou onde moravam no local de seus negócios. Nessa época de 1855, o pilar assim se apresentava, mas as mudanças demorariam a atingí-lo, e grandes transformações em sua população fora, de logo observadas: os grandes negociantes portugueses iriam afastando-se para a Penha, á medida que os negócios e o comércio alcançassem o Pilar, que foi então totalmente ocupado pelo mesmo tipo de população que observamos no seu 4º quarteirão, vizinho da Conceição da Praia”. (NASCIMENTO. P. 90; 91; 92)
Vale ressaltar que o quarteirão referido pela autora se trata de um local tumultuado segundo ela. Lá moravam pessoas de toda qualidade, de profissões menos qualificadas, remadores de saveiros, artesãos, costureiras, rendeiras, engomadeiras e quitandeiras. Como podemos observar, o Pilar tinha uma população específica, que não diferenciou muito depois da saída dos grandes comerciantes da região.
Portanto, é a partir desse emaranhado de pessoas existente no Pilar, modificada com o passar dos tempos, que surgirá em Água de Meninos a Feira do sete, que de acordo com a historiadora Elizângela Rodrigues Ataíde em seu trabalho A Feira de Água de Meninos: (1959 – 1964), recebeu esse nome por está localizada próximo ao sétimo armazém das Docas, transformando-se mais tarde numa feira mais dinâmica. Seguindo os estudos de Elizângela, a existência da feira se dá em decorrência da construção do Porto de Salvador. Essa informação é de suma importância para se entender os conflitos que irão surgir ao longo da história da feira.
No entanto, para compreender as modificações ocorridas na feira durante a modernização ocorrida no Estado, necessitaremos retornar um pouco mais na nossa história para percebermos as contradições existentes entre dois sistemas que transformou a Bahia ao longo dos séculos.
Sabemos que nesse processo, duas forças entraram em choque, de um lado, um sistema senhorial preso a terra que controlava tudo na Bahia, oferecendo favores e obtendo prestígio político, controlando tudo e a todos ao seu redor, desde o grande comerciante até o pequeno. E do outro, um sistema que surge com a República, que estabeleceu um confronto com a oligarquia tradicional em nome da modernização do país e da Bahia.
Primeiramente, o Brasil através de suas políticas econômicas, sempre priorizou um modelo agroexportador, no início, foi à cana de açúcar, o cacau, o fumo e o café. Como sempre, essas atividades se encontravam nas mãos da aristocracia agrária baiana, que controlava a sociedade, a economia e a política ao seu modo. Vale salientar, que essa mesma aristocracia era detentora de grandes extensões de terras que lhes conferia poder. Dessa forma, com uma política atrelada à posse de grandes latifúndios, a aristocracia baiana controlava o seu reduto.
No Império, a política econômica e social, permaneceu baseada na posse da terra. Mais uma vez, o senhor era o grande latifundiário, basicamente, a política desses senhores giravam em torno da troca de favores de seus protegidos, nesse caso, familiares, apoiadores políticos, empregados e todos aqueles que pudessem oferecer favores ao oligarca. Isso incluía as concessões concedidas pelo governo local, bem como a relação com outros oligarcas que lhes garantia um status de superioridade na região.
Para Uchôa, com o fim do Império e, o início da República, o sistema senhorial passou a desmontelar, o tradicional, se transformou numa ameaça ao novo modelo político que emergia na República.
Empenhada nesse novo molde econômico e político, a burguesia que acabara de emergir com a República, apresentavam-se contrárias ao modelo arcaico usado pelos oligarcas, baseado na troca de favores, poder e prestígios. Para essa nova classe, o interessante estava na “expansão do mercado e o crescimento de uma sociedade de consumo, objetivando o lucro”. (UCHÔA. P. 97)
Sendo assim, era preciso acabar com o entrave oligárquico que tanto atrasava a sociedade e o desenvolvimento do país. Nesse ínterim, a aristocracia paulista saiu na frente, graças ao acumulo de capital conseguido com a lavoura cafeeira no Império. Capital esse, que segundo Matta foi usado na criação de um mercado interno e capitalista, que veio a enfraquecer a sociedade senhorial.
Na Bahia, o projeto republicano burguês sofreu grande resistência dos grandes latifundiários (coronéis) que não via a república com bons olhos, pois ela enfraqueceria o seu poder nas regiões de domínio. Estavam traçadas as bases das disputas na Bahia, oligarquia tradicional atrasada, versus a burguesia almejante de um Estado forte e moderno.
Ao início, as forças tradicionais passaram por um processo de desmantelamento no Estado, bem como, a ocorrência de manifestações contrárias a implantação da República na Bahia, foi um período de sucessão de governos. Visando uma mudança no quadro político, o governo interferiu no Estado sem agredir diretamente o poder local. Essa estratégia arquitetada pelo governo federal objetivava o apoio dos coronéis no implante do projeto da burguesia. No entanto, até 1912, a Bahia conservou suas raízes oligárquicas.
Enquanto isso, a capital baiana passava por transformações de ordem popular, o crescimento da população registrado na época, trazia consigo anseios de melhorias estruturais, como saneamento básico, transportes urbanos e a inclusão da cidade no caminho das grandes cidades do Sudeste brasileiro. Direção de extrema importância para habilitar Salvador como uma cidade moderna, com um mercado forte consumidor e produtora de campos de trabalho. Entretanto, segundo Uchôa, essas tentativas iam de encontro aos desejos da oligarquia e batia de frente com os ideais republicanos e burgueses que já dominavam o resto do Brasil.
Para tal conquista, os republicanos passaram a imprimir a sociedade senhoria novos ritmos que não coincidia com a prática tradicional dos oligarcas rurais, baseadas nos privilégios, no poder e no autoritarismo. Contudo, as ações republicanas não foram tão simples, elas tiveram que se adequar no primeiro momento as velhas políticas de conchavos com os senhores oligarcas, não que essa prática tenha desaparecido no país com a Proclamação da República, más, nesse período foi de suma necessidade para a inclusão do Brasil numa economia de mercado.
Após a renúncia de Araújo Pinho, sobe ao poder baiano, J.J Seabra, que tendo o apoio do Presidente Hermes da Fonseca, implanta a república na Bahia e submete ao seu poder as oligarquias que dominavam o Estado e dá início a modernização em Salvador.
Durante o avanço do modelo modernista baiano, várias idéias positivistas foram adotadas no desenvolvimento social e econômico da capital baiana. Entre elas, a educação, priorizando é claro a burguesia. Outra medida adota pelas forças atuantes, se refere e a higienização da cidade, também fruto de ideais científicos surgidos no século XIX, que atingirá diretamente a Cidade Baixa que agregará a maior feira ao ar livre em Água de Meninos. No entanto, através das fontes, sabemos que a feira de Água de Meninos era formada por uma população mais carente, já que se tratava de um trabalho insalubre e árduo. Efetivamente na contramão da modernização e dos desejos da burguesia soteropolitana.
Para Uchoa, em 1930, com o governo de Getúlio Vargas, a Bahia finalmente se torna um estado forte e centralizado, sepultando de vez as intervenções dos coronéis. Contudo, foi a partir dos interventores militares nomeados por Vargas e sem ligação com a oligarquia regional, que os coronéis sofreram seu maior golpe. Esse episódio na história baiana dividiu mais uma vez as forças em dois pólos, uma de oposição ao modelo varguista de desenvolvimento e, outra que aderiu o golpe de trinta com a expectativa de manter o poder em seus redutos. Todavia, com o enfraquecimento da oligarquia dissidente, Vargas encontraria no capital internacional, a oposição que daria novos ânimos aos dissidentes que retornariam ao poder.
Com as disputas políticas em curso, em 1937, Vargas nomeia o tenente Juracy Magalhães como governador da Bahia. O mesmo segue o modelo burguês de desenvolvimento. Ao final do Estado Novo, sobe ao poder Eurico Gaspar Dutra, esse, apoiado pelos dissidentes e, pelo capital internacional, nomeia Otávio Mangabeira para o cargo de governador da Bahia.
Entretanto, a feira de Água de Meninos, teve sua existência condicionada à industrialização da Bahia ocorrida no período que compreende de 1950 a 1964, esse último ano, marcado pela destruição da feira por um incêndio.
Definitivamente, nesse período a Bahia entrava com toda força na industrialização. Esse marco de tempo, a burguesia estava mais fortalecida, surgiam indústrias, criou-se refinaria de Mataripe após a descoberta de petróleo no Lobato. Mesmo assim, as disputas entre o capital nacional e internacional persistiram até 1964.
Através de Antonio Balbino, a modernização continuou com a criação de bancos, hidrelétricas, ginásio esportivo, além dos investimentos em infra-estrutura. Em 1959, ano de criação da feira de Água de Meninos e, também do segundo mandato do governador Juracy Magalhães, criou-se o Plandebe – Plano de Desenvolvimento da Bahia, sob a direção de Rômulo Almeida. Mesmo assim, os conflitos de interesses permaneciam vivos, entre o capital internacional e os grupos regionais baianos.
Seguindo alguns relatos anteriores, com o decorrer do tempo, a feira de Água de Meninos passou a sofrer ataques da população burguesa, devido à falta de higiene local. Na contramão do progresso, o comércio popular surgia como empecilho ao desenvolvimento de um mercado consumidor. Tudo enquadrado nos padrões da modernização que se pretendia chegar. Tendo Lomanto Junior como governador nesse período, a feira de Água de Meninos sucumbiu no dia 05 de setembro de 1964, ano em que o país passou pelo período mais difícil da historia brasileira.
A FEIRA EM SI
Originada em Água de Meninos em 1959. A feira era a responsável pelo abastecimento da cidade do Salvador através das mercadorias vindas do recôncavo nos veleiros. Esse fator tornava a feira em um grande centro de abastecimento da cidade.
Sendo de grande utilidade para a população de baixa renda, a feira apresentava-se extremamente atrativa devido aos baixos valores das mercadorias. Dinâmica e diversificada na população e nos produtos, o comércio de Água de Meninos, como todas as outras incluídas na tradição popular, se enquadrava num espaço de compra, venda e trocas culturais.
Inserida na chamada 4º fase do período republicano, período em que a Bahia viveu os primeiros anos de sua industrialização. Água de Meninos passou a ter sua existência condicionada ao novo modelo de desenvolvimento vigente no país. É nesse contexto de desenvolvimento planejado por Vargas, priorizando o transporte de estradas, que a feira teve sua forma de abastecimento modificada. Passando de veleiros de pequena capacidade, para grandes portes e, complementada pelas rodovias.
Essa mudança acarretou transformações consideráveis na vida dos trabalhadores da feira, principalmente na condução do abastecimento local. Nesse ínterim, com a modernização privilegiando os grandes empreendimentos, os veleiros menores foram obrigados a ceder lugar às grandes embarcações, adequadas a legislação e, as novas regras modernizadoras. A mudança recaiu diretamente na população de baixa renda. Que agora, dependia do abastecimento feito pelas rodovias e tinha que conviver com a sujeira deixada pelos caminhões durante o abastecimento.
O período que compreende a década de 50 até 80, exigiu da sociedade soteropolitana, um grande esforço, pois, se tratou de um marco de enumeras tensões políticas. De um lado, os seguidores da linha varguista, defensores da nacionalização, do protecionismo e do desenvolvimento de um mercado nacional. E no outro extremo, os defensores da livre iniciativa, da modernidade e do respeito aos direitos de pluralidade democrática, defendendo o desenvolvimento e o capital estrangeiros.
Tais fatos podem ser verificados em Governadores e Interventores da Bahia Republicana de 1950 a 1980 – A Industrialização, de Alfredo Eurico R. Matta. Essas tensões interferiram diretamente na política baiana, aja vista que Salvador apoiava a modernização e a burguesia emergente.
Em se tratando da feira, a década de 60 se tornou um período de grandes questionamentos quanto ao tipo de comércio que ali existia, principalmente em relação à higiene do local, estavam abertas as críticas sobre o mercado popular quanto ao condicionamento das mercadorias, a saúde da população devido à falta de higiene do local, bem como a incapacidade das barracas de atenderem as necessidades de consumo da cidade. Mesmo com os projetos da prefeitura de higienizar o local, as críticas continuavam, pois tais medidas foram insuficientes para adequar o espaço aos novos padrões de higiene, e até mesmo o clamor da burguesia por um mercado consumidor, aja vista que a feira se enquadrava num comércio tipicamente popular de preços baixos e muita oferta.
CONTEXTO ESPECÍFICO
O INCÊNDIO
Com a modernização de Salvador, as disputas pelo poder continuaram acirradas, diante desse quadro de instabilidade política, a Feira de Água de Meninos foi destruída por um incêndio, isso nos mostra, que o modelo senhorial pautado na preservação dos redutos eleitorais, onde as tradicionais feiras livres eram mais pujantes e diversificadas pelos bairros de Salvador, se tornaram incompatível com a proposta burguesa de modernização e de higiene que se pretendia instalar na cidade.
Vale salientar que o tradicional mercado de abastecimento da cidade, pegou fogo no mesmo ano em que os ânimos entre o capital nacional e o estrangeiro acirram-se, graças às medidas planejadas por João Goulart e o financiamento feito pelos Estados Unidos aos grupos conservadores, que através da “Aliança para o Progresso” opuseram-se ao projeto do governo federal e se aliaram ao governo estadunidense.
Contudo, o apoio dado pelos Estados Unidos não surgiram por acaso, as medidas nacionalistas adotadas por Jango a partir da elaboração do Plano Trienal de desenvolvimento Econômico e Social, cujo, a organização coube ao então ministro do Planejamento, Celso Furtado, visava à promoção de uma melhor distribuição da riqueza nacional, atacando os latifúndios improdutivos para defender os interesses sociais. Outras medidas também se destacavam no plano, como a diminuição da inflação e a manutenção do crescimento econômico sem sacrificar os trabalhadores. Nessa época, as atuações dos trabalhadores diante da exploração das classes dominantes caminhavam cada vez mais para a mobilização, esse fator, criou na burguesia um enorme pavor de perder seus lucros e privilégios, sendo assim, diante dessa situação, os grandes empresários juntaram-se aos militares e tramaram a queda de Jango.
Da oposição a Jango, surgiram as associações conservadoras, como o IBDA (Instituto Brasileiro de Ação Democrática) e o PPES (Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais), financiado por empresários e pelos EUA. Nesse ínterim, foram gastos milhares de dólares propagandas por meios de livros, jornais, revistas, rádio e televisão contra o governo de João Goulart. “Os políticos de oposição recebiam dinheiro para financiar suas campanhas eleitorais e depois de eleitos, eram subornados para votar contra as propostas de Jango”. (COTRIM. p. 300)
Com as medidas anunciadas por Jango, denominadas de reformas de base, os ânimos da classe dominante estremeceram. Entre elas, reforma agrária, que facilitaria o acesso à terra a milhares de lavradores, reforma urbana para atender milhões de favelados, reforma educacional, visando aumento dos números das escolas públicas e o combate o analfabetismo, reforma eleitoral permitindo ao analfabeto votar e participar da vida pública, reformas tributárias, para corrigir as desigualdades sociais na tributação. Por fim, a lei de Remessa de Lucros, que limitava o envio de dólares das multinacionais para o exterior. Essa lei provocou a ira das multinacionais, dos políticos entreguistas e da imprensa defensora do capital internacional.
Apoiando as reformas de base, os setores populares fizeram greves, em contra partida, a classe dominante organizaram em várias cidades, as marchas da Família com Deus pela Liberdade, formada por senhoras da elite católica, autoridades civis e parte da classe média. Esses episódios provocaram agitações políticas e sociais no país, grupos de esquerda e direita aumentaram os conflitos.
Na capital brasileira, 600 sargentos do Exército e da Aeronáutica tomaram a tiros seus postos exigindo o direito ao voto. Diante desses fatos, no dia 31 de março de 1964, o golpe foi dado contra o governo de Jango. De acordo Cotrim, o movimento teve início em Minas Gerais, em seguida contou com a adesão de São Paulo, Rio grande do Sul e do antigo estado da Guanabara. Sem ter como manter o governo, João Goulart deixou o país em 1º de abril de 1964.
Como podemos constatar no plano nacional, as tensões políticas atingiram grandes proporções. Nessa época, as forças dirigentes do Estado, estavam nas mãos do Governador Lomanto Junior, cujo apoio obtivera das oligarquias para dar seguimento na industrialização da Bahia. Afinando dessa forma, o tom conciliador na internacionalização da economia iniciada por Juscelino Kubitscheck.
Mesmo sendo eleito com o apoio do PTB, base política de João Goulart, Lomanto se manteve no poder após o golpe, graças às oligarquias do interior do Estado que lhes garantiu apoio necessário para preservar o mandato. Mais uma vez, esses fatos mostram os velhos jogos de poder das oligarquias regionais.
“Era 1964, o ano que seria marco inicial da era política mais obscura da história recente do país. Talvez pelo clima de medo, o cidadão comum evitava confrontos. Protestos eram ações exclusivas de grupos politicamente engajados. E foi sob a sombra da mordaça que Salvador viveu, em 5/09, um de seus mais célebres desastres: o incêndio da Feira de Água de Meninos, maior mercado a céu aberto da cidade”. (METROPOLE. P. 14) Esse foi o primeiro passo para a ocupação definitiva do espaço popular que tanto envergonhava a burguesia soteropolitana e atrapalhava o desenvolvimento da cidade.
Com a vitória da internacionalização da economia, a feira de água de Meninos teve seu primeiro incêndio de grandes proporções às 15 horas e 4 minutos de sábado e só parou de arder 11 horas de domingo, de acordo os relatos do Jornal Estado da Bahia em suas várias edições e temas sobre a destruição da feira. Nesse incêndio foram destruídas 500 barracas, 66 depósitos, 847 bancas além de seis vitimas. O mesmo jornal noticiou em suas páginas que apenas 10 barracas estavam seguradas e, os valores, eram ínfimos. O incêndio acabou com 90% das barracas, depois de 48 horas, várias versões do incêndio se somaram a outras já existentes.
De acordo com os depoimentos pesquisados nos jornais da época, antes do ocorrido, os feirantes sentiram um forte odor de gasolina saindo de uma boca de lobo existente na feira, logo depois, veio à explosão. Sabemos que ao lado do mercado, estava à empresa Esso Brasileira de Petróleo, uma multinacional que após algumas investigações, descobriu-se que a mesma jogava resíduos de combustível no esgoto que seguia para a maré. Nesse dia, a feira estava abarrotada de mercadorias para atender a cidade no sábado, no domingo e na segunda, maiores dias de movimento. Como podemos ver a feira possuía combustível necessário para fazê-la desaparecer por completo. Contudo, algumas barracas no fundo da feira permaneceram intactas graças a um rio que ali ficava. Criando dessa forma, uma barreira natural contra o incêndio.
Quanto às investigações, ficaram a cargo da 13º Delegacia (Bonfim), segundo o jornal Metrópole do dia 02 de outubro de 2009, são poucos os registros oficiais do incêndio, os laudos da Polícia Técnica não integram o acervo do órgão. No entanto, o processo se arrastou por 17 anos, tendo a Esso como única responsabilizada.
No dia fatídico, o superintendente da Esso, por meio de um relatório, comunicou a direção da empresa que todos os esforços foram tomados para extinguir o fogo e resguardar o patrimônio da empresa, nesse caso, os tanques existentes ao lado da feira. De acordo o relatório, foram gastos na contenção do fogo, 10 extintores de pó químico P. 70 de alta capacidade, 42 portáteis de pó químico CO2 além dos funcionários em serviço e os 38 que chegavam de uma competição esportiva. Nesse meio tempo, comunicaram os Bombeiros solicitando uma remessa de patrol e tratores para desobstruírem o local. Para a extinção do fogo, os feirantes contaram com os Bombeiros, a Petrobrás e a Marinha.
Todavia, o risco da permanência do mercado popular no local ainda era grande, pois a cidade precisava ser abastecida. Na madrugada de domingo, o governador se reuniu com o prefeito, o Ministro Luiz Viana, o presidente dos sindicatos dos feirantes e o representante da federação e comércio para resolver o problema. Decidiram limpar o local e acomodar as mercadorias nesse espaço. A parte não atingida voltaria a funcionar imediatamente, também foram acordados benefícios tributários para os feirantes em prejuízos. No dia 8 de setembro, as atividades foram retomadas.
Daí em diante aumentou as especulações para a transferência da feira para a Enseada de São Joaquim. Onde um projeto para a criação de barracas padronizadas já se encontrava nas mãos do Engenheiro Oscar Pontes. No apoio para a transferência, estava o Porto de Salvador que estava passando por obras de modernização. Diante das incertezas, os trabalhadores tentaram formar uma nova área de venda na AV. Frederico Oscar Pontes, foram contidos com o poder enérgico da polícia segundo o jornal Estado da Bahia. Sendo assim, não podemos esquecer que nesse período os militares estavam no poder após terem dado um golpe, e que a ordem, era prioridade.
Como solução do problema, criou-se um projeto das feiras móveis. Teoricamente, os problemas de higiene estariam resolvidos. E o objeto que tanto envergonhava a burguesia emergente estava quase no fim. Contudo, uma parte da feira ainda permanecia viva. Problema que foi resolvido cinco dias depois com um novo incêndio que destruiu as 120 barracas restantes. Esse ficou caracterizado como criminoso. Cinco suspeitos foram presos.
Segundo algumas matérias jornalísticas, o criminoso era um barraqueiro que esquecera três velas acesas em sua barraca. Outras reportagens dão conta de uma entrevista fornecida pelo presidente do sindicato ao jornal e as autoridades, que um homem fora visto derramando um líquido em uma das barracas, o segurança do local, persegui o homem, mas não teve êxito na captura. Também relatam que o fogo começou pelos depósitos de madeiras, um vigilante viu o incendiário tocando fogo nos depósitos de madeiras. Sendo assim, os relatos descritos pelo jornal, só fazem confirmar que o incêndio foi criminoso.
Após a destruição total do mercado popular de Água de Meninos, o governo instituiu as feiras móveis através de decretos. Estabelecendo local, dias e horários determinados para seu funcionamento. Para funcionarem, foram escolhidos o Largo da Lapinha, Largo do Ouro, fim de linha da Liberdade, Largo do pau Miúdo, fim de linha do Garcia, Mariquita, defronte ao Antônio vieira, Largo da Saúde, Largo da graça (Rua da Igreja), Largo dos Paranhos, Largo do Tororó. Funcionando, segunda, quarta e sábados nos horários de 5 a 15 horas podendo ser modificadas de acordo as necessidades. A fiscalização do comércio ficaria por conta COASAL, dentro de seus atributos de Limpeza pública, Diretoria de Abastecimento e Diretoria de Fiscalização. Como incentivo, o governo isentava todos que fizessem parte das feiras móveis.
Todavia, a aceitação dos feirantes foi pequenas, queixas passaram a surgir sobre as dificuldades de se locomoverem para os locais determinados, e as hostilidades sofridas devido às sujeiras que ficavam nos locais depois da feira. No decorrer da história, a feira passou para a enseada de São Joaquim, onde permanece até hoje, disputando a freguesia com os grandes mercados, que se instalaram com o processo de modernização e com a internacionalização do capital nacional. Que por sinal vem perdendo, haja vista a extinção de muitas feiras existentes em Salvador e a própria rotina do trabalhador que pouco lhes permite desfrutar das feiras livres.
ANÁLISE DA FONTE PRIMÁRIA
Ao analisarmos a fonte primária, bem como, outras reportagens sobre o incêndio, percebemos que as informações referentes ao incendiário são confusas, merecendo uma pesquisa mais profunda. A partir daí, as matérias utilizadas na dissertação do artigo, no capitulo dedicado ao incêndio, que foram tiradas do jornal Estado da Bahia de 1964, demonstram que provavelmente o jornal defendia as forças tradicionais, pois, as reportagens sobre o incêndio estavam em equilíbrio com o governo militar. Além disso, notas parabenizando a decisão de não mais manter a feira em Água de Meninos eram explicitas. Carecendo assim, de outras fontes para confrontá-las e ter uma informação mais precisa da relação do jornal Estado da Bahia com o capital internacional e com as velhas oligarquias regionais. No entanto, há uma clara defesa da modernização do Estado contidas nas páginas do jornal.
CONCLUSÂO
Por fim, ao analisarmos a fonte primária e as secundárias, confrontamo-las com o contexto geral, o histórico da feira, e o contexto específico. Em destaque, o capitulo dedicado especificamente ao incêndio da Feira de Água de Meninos.
Demonstramos também no texto, as estratégias de adequação do sistema senhorial em detrimento da burguesia emergente. Tornando claro, que os dois incêndios sofridos pela feira e que, pois fim a ela foi essencial para consolidar o processo de modernização e a implantação de um mercado consumidor que atendesse os anseios da burguesia industrial e o capital internacional.
Dessa forma, ao pesquisarmos sobre o tema, percebemos que a fonte utilizada nos direcionou para um ambiente onde a proposta de modernização do Estado, se fez presente, atingindo direta ou indiretamente os tradicionais alicerces sociais, econômicos políticos e culturais do país e da Bahia. Na ocasião, centro do poder das oligarquias ligadas a terra, atuantes até o início do governo de Vargas.
Com as novas mudanças no cenário político nacional, a Bahia deu movimento ao desmonte das velhas formas de conchavo senhorial, baseadas no controle do reduto regional e dos privilégios, para assumir uma postura pautada no lucro, no favorecimento dos grandes mercados consumidores, atrelando-se aos Estados industrializados e modernos do Sudeste brasileiro.
Diante da proposta de apresentar um trabalho coerente com a fonte da época pesquisada, em destaque, o jornal Estado da Bahia, que apresentou diversas matérias sobre o incêndio da Feira de Água de Meninos, que deixou inúmeros trabalhadores sem seu sustento diário e com o futuro incerto. Apresentamos como proposta, o incentivo a novas produções científicas sobre o infortúnio desses feirantes no dia 5 de setembro de 1964.
_____________
[1] Graduando em História. 7º semestre. UCSAL.
FONTES:
Jornal Estado da Bahia do dia 8 de setembro de 1964, p.1; 3; 8
Jornal Estado da Bahia do dia 9 de setembro de 1964, p.1; 2; 3; 5; 7
Jornal Estado da Bahia do dia 10 de setembro de 1964, p.1; 2
Jornal Estado da Bahia do dia 11 de setembro de 1964, p. 2; 5; 8
Jornal Estado da Bahia do dia 12 de setembro de 1964, p. 2
Jornal Estado da Bahia do dia 14 de setembro de 1964, p. 3
Jornal Metrópole do dia 2 de outubro de 2009, p.14
REFERÊNCIAS
ATAÍDE, Elizângela Rodrigues. A Feira de Água de Meninos: (1959 – 1964). In: IV ENCONTRO ESTADUAL DE HISTÓRIA – ANPUH – BA. HISTÒRIA: SUJEITOS SABERES E PRÁTICAS. 2009, Vitória da Conquista. BA, 2009, p. 1 – 8.
COTRIM, Gilberto. História e Consciência do Brasil, 2º grau. 5ª Ed. SARAIVA. 1997.
NASCIMENTO, Anna Amélia Vieira. Dez Freguesias da Cidade do Salvador. p. 90; 91; 92
MATTA, Alfredo Eurico Rodrigues. Governadores e Interventores da Bahia Republicanade 1950 A 1980 – A Industrialização. Disponível em:http://www.matta.pro.br/prod_his.html. Acessado em: 11 de Nov. 2009.
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