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Dante Milano
em retrato pintado por Candido Portinari
(detalhe)
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Dante Milano
• In Obra Reunida
Organização e estabelecimento do texto,
Sérgio Martagão Gesteira
Academia Brasileira de Letras, Rio de Janeiro, 2004
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* Alberto da Cunha Melo (1942-2007), "Casa Vazia",
in Dois Caminhos e Uma Oração (2003)
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- Todas as imagens: quadros do pintor paraense
• In Obra Reunida
Organização e estabelecimento do texto,
Sérgio Martagão Gesteira
Academia Brasileira de Letras, Rio de Janeiro, 2004
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* Alberto da Cunha Melo (1942-2007), "Casa Vazia",
in Dois Caminhos e Uma Oração (2003)
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- Todas as imagens: quadros do pintor paraense
Ismael Nery (1900-1934),
precursor do surrealismo no Brasil. Ismael,
precursor do surrealismo no Brasil. Ismael,
morto muito jovem, foi casado
com a poeta Adalgisa Nery, citada na
com a poeta Adalgisa Nery, citada na
última imagem, acima.
Caros,
Andei relendo a poesia do carioca Dante Milano (1899-1991).
Esse autor já passou duas vezes pelo poesia.net ― edição n. 34,
de agosto/2003, eedição n. 241, de fevereiro/2008 ―, mas tem
sempre algo novo a nos dizer.
Não vou me estender sobre a vida e as características da poesia
de Milano. Creio que o essencial foi dito nos dois boletins anteriores.
Repetirei, apenas, que se fosse por ele, seus poemas nunca
teriam sido publicados. Era recolhido, avesso à publicidade e à
mundanidade literária. Amigos é que publicaram seu único livro,
Poesias (1948), quando o autor já beirava os 50 anos.
Além de poesia, Dante Milano escreveu traduções e ensaios.
Em sua obra reunida, há três cantos do Inferno, de
Dante Alighieri, vertidos para o português, além de
vários estudos literários.
•o•
Em minha recente leitura de Dante Milano, o poema
que mais me conquistou a atenção foi "Fuga do Centauro".
Trata-se, antes de tudo, de um texto em que o poeta dá mostras
de seu domínio da rima e do ritmo, ao lado de prodigiosa
imaginação plástica. Descreve o embate de amor e ódio entre um
centauro ― figura fantástica, meio homem, meio cavalo
― e uma fêmea. Uma centaura? Esta palavra não existe.
Segundo a mitologia, os centauros são guiados por
instintos e sempre se envolvem em sangrentas brigas e batalhas.
Portanto, não parece estranho que a fêmea, “nua e transparente”,
tente, “com mãos finas”, domar o centauro-narrador.
Só que as mãos finas, sugestão de carícia e aconchego, destoam
de suas intenções dominadoras e guerreiras. É como se fossem
negaças, ardis para seduzir. Entra aí a atração sexual.
No final do embate, o parceiro recorre aos seus atributos mais
selvagens: desfere patadas e foge, aos relinchos, com a
parceira-inimiga a cavalgá-lo. Seria uma relação sadomasoquista
entre centauros? Sabe-se lá.
Esse embate entre figuras semi-humanas é um dos mais fantásticos
enredos imaginários entre os muitos criados por Dante Milano.
No poema "Reaparição", também reproduzido neste boletim,
uma mulher surge da pura fantasia. E o narrador, consciente, declara:
“Fui eu que a imaginei! É minha!”.
Mas voltemos aos centauros. Creio que essa cena quase dantesca
― não deste Dante, do outro, o florentino ― esteja ligada à
maneira como o poeta vê o relacionamento amoroso. Aliás, a visão
de Dante Milano tem pontos de contato com a concepção de Drummond.
“Dois amantes que são? Dois inimigos”, diz o homem de Itabira.
Talvez, por isso mesmo, Milano tenha dado aos amantes-combatentes
de "Fuga do Centauro" uma natureza obviamente semianimal
para ressaltar a possível selvageria e o encontro/desencontro entre os dois.
Na poesia de Dante Milano, esse desencontro não está apenas no amor:
envolve também a amizade e até a convivência humana. É como se o
indivíduo o tempo todo experimentasse a sensação de carência.
Há momentos de luminosa fulguração e êxtase, como nas paixões,
nos congraçamentos amorosos, nas experiências de profundas amizades
e de união social. Mas são apenas lampejos, e sempre volta a eterna busca
de plenitude.
Não é à toa que o poeta procura compreensão e acolhimento até no
reino mineral. Veja-se o que ele diz sobre a pedra: “Figura inerte que
não sente nada, / Corpo que dorme e a que me abraço em vão”.
•o•
No soneto “Náufrago”, o poeta exibe sua mestria ao descrever o
extremo desespero de quem está se afogando no mar. Mas aqui também
as águas não parecem pertencer exatamente ao mar, mas a um estado de
aflição experimentado em terra. Minhas suspeitas vêm dos seguintes
versos: “Sem ter a que amparar-me, cambaleio, / Sem ter onde
pisar, falseio os passos”. Cambalear e dar passos em falso não são
propriamente movimentos de quem está nadando ― ou tentando nadar
― para se livrar das ondas.
Mais adiante, o texto fornece outra pista contraditória. “Minha tristeza
mede-se por léguas / Que venço, não em terra, mas nadando / (...) /
Batendo-me de peito contra mágoas”. Pode-se entender, portanto,
que esse afogamento é mais um estado d’alma, um terrível desconforto
emocional. Uma tristeza que tem a extensão do oceano e mede-se em léguas.
Os dois últimos versos reforçam as suspeitas: “Sôfrego, trôpego,
gesticulando / Como um náufrago em vão se agarra às águas”.
Quer dizer: ele compara esse profundo mal-estar à condição de alguém
que se debate para não ser tragado pelas águas. Enfim, o poema não
diz “sou um náufrago”, e sim “sou como um náufrago”.
•o•
Até agora, todos os poemas de que tratamos têm, de uma forma
ou de outra, uma pegada metafísica. De fato, a poesia de Dante Milano é
marcada por esse viés do pensamento abstrato. Mas isso não significa que
o poeta nunca desça ao mundo objetivo. Ele também produziu poemas
bem terra a terra. Você pode encontrar alguns nos dois outros boletins
dedicados ao poeta carioca e também em “A Um Mendigo”, aqui ao lado.
Este é um poema longuíssimo, que se estende por várias páginas.
Aqui está somente o trecho inicial. A apresentação do personagem é
precisa e cruel. Primeiro, o mendigo (“esquivo, sujo, roto”) é comparado
a um gato. Depois, rebaixado a rato de esgoto. E em seguida: “És de fato
um bicho, / Quando catas nas latas / Uns restos, pondo as patas /
E o focinho no lixo”. Patas e focinho. Chocante, porém verdadeiro.
No primeiro boletim sobre a poesia de Dante Milano, transcrevi um poema,
“Vozes Abafadas”, que apresenta um cenário de guerra. Comentei
a respeito dele: “Definitivamente, não é um texto para corações
delicados e sonhadores”. Repito a frase agora em relação a esse mendigo.
•o•
PARA LER DANTE MILANO
Há duas fontes para quem quiser
conhecer a poesia de Dante Milano.
A primeira é uma antologia, disponível nas lojas.
A outra, é a obra completa, uma publicação fora
de comércio que talvez só seja encontrada em
bibliotecas ou sebos.
1. Melhores Poemas
Seleção de Ivan Junqueira
Editora Global, São Paulo, 1998
2. Obra Reunida
Organização e estabelecimento
do texto: Sérgio Martagão Gesteira
Academia Brasileira de Letras,
Rio de Janeiro, 2004.
Um grande abraço, e até a próxima,
•o•
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