Pensada para o carro, Brasília faz 54 anos com nó no trânsito
Para especialistas, projeto da cidade dificulta o transporte público e o deslocamento de pedestres
Postada em: 21/04/2014 ás 13:37:28Link:
Ser cortada ao meio por uma rodovia é uma das provas que mostram que Brasília foi pensada para o carro. Considerada a meta-síntese do Plano de Metas, de Juscelino Kubistchek, que apostava na indústria automobilística como motor do desenvolvimento brasileiro, a cidade chega aos 54 anos de idade sofrendo com sérios problemas de mobilidade urbana. É como se fosse uma senhora com pouco mais de meio século e à beira de um “infarto” em consequência de problemas de circulação.
Apesar de muitos problemas serem reflexos do projeto de Lúcio Costa, o urbanista não é culpado pelo cenário caótico em relação à mobilidade, uma vez que projetou a capital em 1957, para ser construída em três anos, e não previa a explosão demográfica descontrolada e o crescente incentivo aos meios de transporte individual, que extrapolou o limite de carros que as grandes cidades podem suportar.
No entanto, para a arquiteta, urbanista e professora da FAU-UnB (Faculdade de Arquitetura da Universidade de Brasília) Sylvia Ficher, o problema de Brasília e de toda a região metropolitana do Distrito Federal não é o excesso de carros, mas a falta de ruas. Segundo ela, a lógica do projeto do Plano Piloto é toda baseada em vias expressas: só há grandes avenidas e pequenas ruas locais que formam trama incompleta.
No processo de expansão urbana em cidades do DF, o mesmo sistema foi mantido, sem muita variedade de tipos de vias, diferente das cidades tradicionais em que o sistema de circulação é mais complexo.
— Se eu quero sair da Asa Sul para Taguatinga, só tenho um caminho que é a EPTG [Estrada Parque Taguatinga]. Daqui para o Setor de Rádio e TV Sul, só tenho a W3. Então o sistema está sempre jogando todos os carros nessas poucas vias arteriais, que ficam entupidas.
Para explicar o urbanismo, a professora faz a comparação com o sistema de circulação sanguínea.
— Se você espetar qualquer lugar do corpo com um alfinete vai sair sangue. Se for atingido um vaso sem importância vai sair uma gota. Mas, se você furar uma grande artéria, vai sangrar até morrer.
Uma situação cotidiana que pode exemplificar a hemorragia descrita pela metáfora da professora é a batida de um carro em uma árvore no Setor Policial Sul no último dia 9 de abril. Só o acidente causou engarrafamento em toda a EPTG até Águas Claras, incluindo as vias pouco importantes da cidade, impedindo que os carros conseguissem acessar a via expressa que liga a região ao Plano Piloto.
— Qualquer coisinha fora do previsto para completamente o trânsito de Brasília e gera um efeito em cadeia. Um acidente engarrafa o Setor Policial Sul, a EPTG, a minha rua em Águas Claras, os carros na garagem no meu prédio e até o meu elevador, brinca o especialista em políticas públicas de transportes e pesquisador da UnB, Artur Moraes.
Para resolver o problema, Moraes descarta as mudanças nas vias públicas, como ampliação ou inversão de sentido como medidas para melhorar o trânsito.
— Isso não funciona mais, você faz a mudança hoje e daqui um ano está tudo engarrafado de novo.
Sylvia Ficher defende uma revisão cuidadosa de toda a trama viária do DF, abrindo a malha, fazendo as ligações entre vias expressas, médias, e as pouco importantes. Segundo ela, é muito importante interligar as cidades que não têm sua articulação viária autônoma do Plano Piloto.
— A trama incompleta compromete o transporte público, já que não há ruas para os ônibus passarem, criando áreas que não são servidas pelos coletivos. São como tecidos necrosados onde o sangue não chega. As ligações são difíceis: da W3 à L2, não há passagem com facilidade, os ônibus nem conseguem passar por esses lugares.
Por causa disso, mesmo usando o ônibus, muitas vezes o pedestre é obrigado a andar grandes distâncias para completar seu caminho. Aliás, o deslocamento a pé também é um problema no DF devido à escala quilométrica e à urbanização de baixa densidade demográfica, com áreas urbanas dispersas, pouco contínuas e cheias de vazios.
Para melhorar a vida dos pedestres, a professora defende intervenções para equilibrar a relação de tratamento entre eles e os carros, que sempre são privilegiados nas questões de mobilidade urbana. Além de resolver os problemas nas calçadas, Sylvia sugere a instalação de semáforos de pedestres inclusive nas grandes avenidas da cidade.
— Por que não pode haver semáforo de pedestres no Eixo Rodoviário? Por que o pedestre é obrigado a passar por um túnel subterrâneo sujo, fedido, perigoso e o carro fica com o caminho melhor? Por que para o automóvel eu dou uma via expressa e o pedestre precisa andar igual a um tatu por baixo da terra? Então se coloca semáforo, o pedestre cruza com segurança e o mundo não acaba.
Os ciclistas também não são privilegiados no Distrito Federal. As ciclovias são alvo frequente de críticas. De acordo com o pesquisador Artur Moraes, os percursos em zigue-zague indicam que a bicicleta ainda é vista como veículo de passeio e não como meio de transporte.
— Por que o carro anda em linha reta e o ciclista precisa se esforçar muito mais para andar fazendo curvas?
Além disso, de acordo com o presidente da ONG (organização não governamental) Rodas da Paz, Jonas Bertucci, as ciclovias apresentam descontinuidade nos trajetos, falta de sinalização, e em grande parte não têm iluminação. O coordenador do Fórum de Mobilidade por Bicicleta no DF, Paulo Alexandre Passos, diz que o projeto das ciclovias foi licitado no governo passado a partir de uma pesquisa que foi feita na cidade pelo DER (Departamento de Estradas de Rodagem) para saber de onde elas saíam e chegavam, usando a bicicleta.
— As ciclovias que não dão em nada são dois trechos, um executado e o outro não. Parece que está desconectada, mas é porque não está pronta. Precisamos ver isso. Se a ciclovia já está terminada, é uma questão. Se está em obra é outra questão.
Porém, a professora Sylvia Ficher acredita que no DF a bicicleta não é a melhor das alternativas, pois apenas funciona bem como meio de transporte em escalas pequenas, de até 10 km.
— Agora se fala muito sobre o transporte por bicicleta, mas uma pessoa que mora em Brazlândia, por exemplo, não tem condições de ir pedalando para o Plano Piloto, porque são 45 km de distância. Ida e volta são 90 km, isso seria treinamento de esportista profissional.
Apesar de muitos problemas serem reflexos do projeto de Lúcio Costa, o urbanista não é culpado pelo cenário caótico em relação à mobilidade, uma vez que projetou a capital em 1957, para ser construída em três anos, e não previa a explosão demográfica descontrolada e o crescente incentivo aos meios de transporte individual, que extrapolou o limite de carros que as grandes cidades podem suportar.
No entanto, para a arquiteta, urbanista e professora da FAU-UnB (Faculdade de Arquitetura da Universidade de Brasília) Sylvia Ficher, o problema de Brasília e de toda a região metropolitana do Distrito Federal não é o excesso de carros, mas a falta de ruas. Segundo ela, a lógica do projeto do Plano Piloto é toda baseada em vias expressas: só há grandes avenidas e pequenas ruas locais que formam trama incompleta.
No processo de expansão urbana em cidades do DF, o mesmo sistema foi mantido, sem muita variedade de tipos de vias, diferente das cidades tradicionais em que o sistema de circulação é mais complexo.
— Se eu quero sair da Asa Sul para Taguatinga, só tenho um caminho que é a EPTG [Estrada Parque Taguatinga]. Daqui para o Setor de Rádio e TV Sul, só tenho a W3. Então o sistema está sempre jogando todos os carros nessas poucas vias arteriais, que ficam entupidas.
Para explicar o urbanismo, a professora faz a comparação com o sistema de circulação sanguínea.
— Se você espetar qualquer lugar do corpo com um alfinete vai sair sangue. Se for atingido um vaso sem importância vai sair uma gota. Mas, se você furar uma grande artéria, vai sangrar até morrer.
Uma situação cotidiana que pode exemplificar a hemorragia descrita pela metáfora da professora é a batida de um carro em uma árvore no Setor Policial Sul no último dia 9 de abril. Só o acidente causou engarrafamento em toda a EPTG até Águas Claras, incluindo as vias pouco importantes da cidade, impedindo que os carros conseguissem acessar a via expressa que liga a região ao Plano Piloto.
— Qualquer coisinha fora do previsto para completamente o trânsito de Brasília e gera um efeito em cadeia. Um acidente engarrafa o Setor Policial Sul, a EPTG, a minha rua em Águas Claras, os carros na garagem no meu prédio e até o meu elevador, brinca o especialista em políticas públicas de transportes e pesquisador da UnB, Artur Moraes.
Para resolver o problema, Moraes descarta as mudanças nas vias públicas, como ampliação ou inversão de sentido como medidas para melhorar o trânsito.
— Isso não funciona mais, você faz a mudança hoje e daqui um ano está tudo engarrafado de novo.
Sylvia Ficher defende uma revisão cuidadosa de toda a trama viária do DF, abrindo a malha, fazendo as ligações entre vias expressas, médias, e as pouco importantes. Segundo ela, é muito importante interligar as cidades que não têm sua articulação viária autônoma do Plano Piloto.
— A trama incompleta compromete o transporte público, já que não há ruas para os ônibus passarem, criando áreas que não são servidas pelos coletivos. São como tecidos necrosados onde o sangue não chega. As ligações são difíceis: da W3 à L2, não há passagem com facilidade, os ônibus nem conseguem passar por esses lugares.
Por causa disso, mesmo usando o ônibus, muitas vezes o pedestre é obrigado a andar grandes distâncias para completar seu caminho. Aliás, o deslocamento a pé também é um problema no DF devido à escala quilométrica e à urbanização de baixa densidade demográfica, com áreas urbanas dispersas, pouco contínuas e cheias de vazios.
Para melhorar a vida dos pedestres, a professora defende intervenções para equilibrar a relação de tratamento entre eles e os carros, que sempre são privilegiados nas questões de mobilidade urbana. Além de resolver os problemas nas calçadas, Sylvia sugere a instalação de semáforos de pedestres inclusive nas grandes avenidas da cidade.
— Por que não pode haver semáforo de pedestres no Eixo Rodoviário? Por que o pedestre é obrigado a passar por um túnel subterrâneo sujo, fedido, perigoso e o carro fica com o caminho melhor? Por que para o automóvel eu dou uma via expressa e o pedestre precisa andar igual a um tatu por baixo da terra? Então se coloca semáforo, o pedestre cruza com segurança e o mundo não acaba.
Os ciclistas também não são privilegiados no Distrito Federal. As ciclovias são alvo frequente de críticas. De acordo com o pesquisador Artur Moraes, os percursos em zigue-zague indicam que a bicicleta ainda é vista como veículo de passeio e não como meio de transporte.
— Por que o carro anda em linha reta e o ciclista precisa se esforçar muito mais para andar fazendo curvas?
Além disso, de acordo com o presidente da ONG (organização não governamental) Rodas da Paz, Jonas Bertucci, as ciclovias apresentam descontinuidade nos trajetos, falta de sinalização, e em grande parte não têm iluminação. O coordenador do Fórum de Mobilidade por Bicicleta no DF, Paulo Alexandre Passos, diz que o projeto das ciclovias foi licitado no governo passado a partir de uma pesquisa que foi feita na cidade pelo DER (Departamento de Estradas de Rodagem) para saber de onde elas saíam e chegavam, usando a bicicleta.
— As ciclovias que não dão em nada são dois trechos, um executado e o outro não. Parece que está desconectada, mas é porque não está pronta. Precisamos ver isso. Se a ciclovia já está terminada, é uma questão. Se está em obra é outra questão.
Porém, a professora Sylvia Ficher acredita que no DF a bicicleta não é a melhor das alternativas, pois apenas funciona bem como meio de transporte em escalas pequenas, de até 10 km.
— Agora se fala muito sobre o transporte por bicicleta, mas uma pessoa que mora em Brazlândia, por exemplo, não tem condições de ir pedalando para o Plano Piloto, porque são 45 km de distância. Ida e volta são 90 km, isso seria treinamento de esportista profissional.
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