segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

SALVADOR, A MONTANHA E O RATO - Anilton S Silva

SALVADOR, A MONTANHA E O RATO
POR UMA NOVA POLÍTICA URBANA
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texto de ANILTON SANTOS SILVA*
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O conjunto de projetos Salvador Capital Mundial, que compreende mobilidade e requalificação urbana, revitalização da orla e outros, transforma a face da cidade, caracterizando uma nova centralidade – Iguatemi/Paralela. Na orla, pressiona a expulsão das ocupações populares face à indicação de implantação de condomínios residenciais para as classes de média e alta renda sem estar embasado no Plano Diretor Urbano ou Lei de Uso e Ocupação do Solo.

Questionam-se as alterações dos índices urbanísticos e dos gabaritos nas áreas de implantação dos projetos, considerando que haverá uma valorização significativa dessas áreas, por conta dos investimentos públicos, porém com agregação de valor capturado pelo capital privado, o que os defensores do projeto ignoram.

Salvador enfrenta tensões críticas na sua ocupação e disputa do espaço urbano, portanto é preciso, antes de realizar essas intervenções, revisar fundamentos conceituais de política urbana que impliquem a eliminação desses conflitos e preparar a cidade do terceiro milênio, a partir dos reais interesses da população.

Toda e qualquer cidade é o “locus” da manifestação do inconformismo da sociedade civil organizada, que expõe um sentimento generalizado de que nem a macroestrutura do poder público nem a do poder privado respondem às necessidades prosaicas da sociedade, em termos de qualidade de vida, equilíbrio social, emocional e satisfação das demandas básicas de sua população. Dessa forma, ela se coloca como o centro estimulador da cultura da solidariedade social, sem a qual nem a economia nem a sociedade caminharão sempre juntas, na busca incessante de um futuro melhor para todos.

A problemática da cidadania é decorrente da cidade desde os tempos da polis grega, na aurora da democracia, quando surgiu a articulação cidade e Estado. Antes de cidadão de um país, somos membros de uma comunidade urbana/municipal, inserida no Estado. Assim, a gestão da cidade deve ser compreendida a partir de seus constantes desafios, que emergem das reivindicações geradas no seio da solidariedade social urbana, sendo o principal deles a crescente demanda por infraestrutura e serviços, normalmente além da real capacidade do poder público em atendê-la, em situações de crescimento acelerado.

Nesse sentido, é preciso compreender que quando lidamos com o crescimento rápido, a questão urbana começa no campo e sem uma política de orientação dos fluxos migratórios não há como neutralizar a expansão acelerada, que combina concentração de pobreza e concentração de riqueza.

No caso de Salvador, a trajetória do crescimento urbano aponta no sentido do aprofundamento da concentração populacional e de pobreza, haja vista que a cidade amplia o seu poder de atração, enquanto o nosso campo cada vez mais libera o seu contingente, considerando a modernização de nossa agricultura, que reduz a absorção de mão-de-obra e induz a população rural a migrar.

As tendências recentes de nossa urbanização, na linha contrária à natureza do nosso crescimento urbano, sinalizam na direção de ampliar a concentração do capital imobiliário, plasmado em investimentos nos condomínios residenciais de luxo, o que é decisivo para a periferização dos mais pobres, quando as intervenções resultam de expulsão e valorização de áreas de ocupações populares (caso da orla).

Salvador realmente precisa de um choque de intervenção e ordenação para orientar o seu crescimento rápido e universalizar o direito à cidade. Todavia, tais ações não devem emergir de um processo sem a participação da sociedade civil e reconhecimento da solidariedade social urbana. Entregar esta responsabilidade à exclusividade do capital imobiliário (as grandes corporações que dominam a ocupação/construção da cidade) é um grande risco de elitizar o espaço urbano.

Imagino que o projeto Salvador Capital Mundial parece uma das fábulas de Esopo que diz: “A montanha rugiu, tremeu e estremeceu, e quando todos esperavam que dela brotasse ouro, ela pariu um rato”. A montanha é a intensa verticalização, que já começou na Paralela, quem será o rato?

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*Anilton Santos Silva – Arquiteto/urbanista, demógrafo e consultor

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