quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

MARCADORES DA SOLIDÃO URBANA ... (4)

MARCADORES DA SOLIDÃO URBANA E DA SOLIDÃO DO URBANO (4)

Solidão de manhã,
Poeira tomando assento
Rajada de vento,
Som de assombração, coração
Sangrando toda palavra sã

A paixão puro afã,
Místico clã de sereia
Castelo de areia,
Ira de tubarão, ilusão
O sol brilha por si

Açaí, guardiã
Zum de besouro um imã
Branca é a tez da manhã

Solidão de manhã,
Poeira tomando assento
Rajada de vento,
Som de assombração, coração
Sangrando toda palavra sã

A paixão puro afã,
Místico clã de sereia
Castelo de areia,
Ira de tubarão, ilusão
O sol brilha por si

Açaí, guardiã
Zum de besouro um imã
Branca é a tez da manhã

 
("Açaí" - Djavan)


Vicente D. Moreira

Uma das imagens oferecidas, ao leitor,  por Fernando Pessoa em "O livro do desasossego",  mostra   uma pessoa solitariamente deitada sobre uma pedra, em alguma praia deserta, e o forte significado que isto tem para o cosmo, para o universo.

Ver, de longe,  alguém que está só numa praia deserta nos remete a concluir tratar-se de um evento de solidão pois não há outra pessoa próxima a quem estamos a observar. Só que este  "diagnóstico" que nos apressamos a fazer é um tipo clássico de SOLIDÃO IMAGINÁRIA. Por ser IMAGINÁRIA não significa que ela só exista em nosso imaginação ou sequer exista real e objetivamente. Dos três registros do ser huamno - o Real (o impossível de dizer da linguagem), o Simbólico (o possível de dizer da linguagem mesmo com todas as limitações desta) e o Imaginário - este último talvez seja o que mais se nos  aproxima dos outros animais ou da nossa própria condição básica de animal mamífero, reprodução sexual, vertebrado etc. etc.

O Imaginário pode ser representado pelo outro (o minúsculo), cuja imagem (principalmente a física, a pictórica ...) está aí à nossa frente: o / o'; sendo o (eu, Vicente) e o' você que está lendo esses trechos. Já o O maiúsculo é a sociedade, é a cultura, seus valores, crenças, visões de mundo, liguagem ...  de que fazemos parte; ou seja o O maiúsculo é o simbólico que constrói e encultura o o (minúsculo), esse o que podemos ver, tocar, abraçar, empurrar ...Na verdade, diferentemente da concretude  do o minúsculo, o O é uma (poderosa) abstração.


A solidão é fera, a solidão devora.
É amiga das horas prima irmã do tempo,
E faz nossos relógios caminharem lentos,
Causando um descompasso no meu coração.

A solidão é fera,
É amiga das horas,
É prima-irmã do tempo,
E faz nossos relógios caminharem lentos
Causando um descompasso no meu coração.

A solidão dos astros;
A solidão da lua;
A solidão da noite;
A solidão da rua.

("Solidão" - Alceu Valença)

A SOLIDÃO IMAGINÁRIA, nas cidades e em qualquer outro lugar ... no Himalaia, no interior e no mais fundo da floresta amazônica ...  é uma impossibilidade enquanto solidão. Isto porque, em sua mais extrema e remota, e imaginária, solidão uma pessoa tem a companhia da linguagem que o inaugurou, do(s)  idioma(s) que aprendeu. 


"Minha Pátria é minha língua. Pouco se me dá que Portugal seja invadido, desde que não mexam comigo" (Fernando Pessoa)


 Além de impossibilidade enquanto solidão, a SOLIDÃO IMAGINÁRIA é uma pseudoconcreticidade. 
Na perspectiva (insustentável e nebulosa) da SOLIDÃO IMAGINÁRIA, a  pessoa solitária numa praia deserta está só. Mas esse juízo não resiste à reflexão mínima de que essa pessoa fala,  está pensando e, talvez, esteja "falando com seus próprios botões".

Quando olhamos de longe, bem de longe, duas pessoas sentadas na areia de uma praia - deserta no sentido de alí não haver uma terceira pessoa - e estas pessoas não estão dialogando, sequer olham uma para a outra - pergunta-se: uma está fazendo companhia à outra?

Outra pergunta; existe, realmente, a solidão a dois dos casais (com ou sem crise conjugal)?

TODA SOLIDÃO (HUMANA) É SOLIDÃO SIMBÓLICA E, ASSIM SENDO, O SER HUMANO NUNCA ESTÁ SÓ ... POIS ELE FALA, PENSA (E SÓ PENSA PORQUE FALA) E ESTÁ ACOMPANHADO DE SEUS VALORES E DE FATOS ESCULPTORES DE SUA HISTÓRIA PESSOAL. PARA QUEM NISSO ACREDITA É INESCAPÁVEL ESCAPAR DAS CILADAS DA  SOLIDÃO IMAGINÁRIA.

SOlidão.

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Amanhã, sexta,. a quinta e última postagem da série MARCADORES DA SOLIDÃO URBANA E DA SOLIDÃO DO URBANO



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