sábado, 8 de janeiro de 2011

DAGINO, R. - Erradicação da miséria e tecnociência

Erradicação da miséria e tecnociênciacação

Renato Dagnino

[publicado no jornal Folha de São Paulo. São Paulo (Brasil), 6 de janeiro de 2010, p. A3]

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A orientação de parte do poder de compra do Estado para empreendimentos solidários aumentará a efetividade e a eficácia das políticas públicas.
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A erradicação da miséria fará emergir demandas materiais por bens e serviços com características e em quantidade inusitadas. Satisfazê-las atendendo aos requisitos econômicos, sociais, culturais e ambientais complexos e originais existentes exige mobilização singular de nosso potencial de geração de conhecimento tecnocientífico.

Os requisitos, a abordagem interdisciplinar requerida, o tipo de situação-problema a equacionar e o modo de fazê-lo (com a participação de "usuários" até agora ausentes do cenário da produção de conhecimento) implicam um desafio jamais enfrentado.

É possível identificar dois tipos de bens e serviços relacionados à erradicação da miséria.

O mais óbvio é aquele atinente às necessidades básicas -alimentação, moradia etc.-, que, para cumprir com o requisito de geração de trabalho e renda, deverão ser produzidos pelos segmentos sociais hoje marginalizados.

No segundo tipo estão bens e serviços de natureza pública que o Estado deve proporcionar a todos os brasileiros (incluindo, é claro, os hoje excluídos). Necessários para implementar políticas públicas cujo custo se mostra alto e crescente, eles são hoje quase exclusivamente adquiridos de empresas privadas.

A orientação de uma parte do enorme poder de compra do Estado para empreendimentos solidários, formados pelos excluídos da economia formal, aumentará a eficiência, a eficácia e a efetividade das políticas públicas. Entre outras coisas, porque estará gerando trabalho e renda em espaços onde a tecnologia convencional -desenvolvida pelas e para as empresas- é crescentemente incapaz de fazê-lo.

A informação oficial permite estimar implicações e dificuldades associadas à incorporação desses trabalhadores à produção.

Sobre seu impacto potencial, veja-se que, dos 160 milhões de pessoas que compõem a população em idade ativa, quase dois terços não trabalham em empresas, mas podem ser incluídos na economia solidária. Os empreendimentos solidários já geram 1% do PIB, ocupam 1% da população do país e estão aumentando 10% ao ano!

Para isso, é urgente contar com conhecimento tecnocientífico apropriado, alternativo ao convencional. Ou seja, se preferir o leitor, com o que tem sido chamado entre nós, em favor da brevidade, de tecnologia social. As dificuldades que invalidam "soluções" convencionais também podem ser estimadas.

Nos últimos oito anos, 30 milhões de brasileiros excluídos que "ganharam o peixe" ajudaram a empurrar para cima o consumo e a produção. Foram gerados 15 milhões de empregos formais, que permitiram absorver nosso crescimento populacional. Mas é pouco provável que programas compensatórios possam manter relação de 2 para 1. A inclusão produtiva dos que não serão absorvidos pelas empresas é vital para o crescimento.

Dos 33 milhões inscritos no Bolsa Família, só 18% se beneficiaram dos empregos formais gerados.

Quando isso aconteceu, permaneceram no emprego apenas 11 meses (contra os 62 da média nacional). E isso apesar de que 90% dos empregos eram de baixa "qualificação".

Mas essa "baixa qualificação" dos excluídos, associada ao fato de a produção daqueles dois tipos de bens e serviços não ter incorporado conhecimento tecnocientífico aderente àqueles requisitos, é o grande desafio. Fertilizar com ele a matriz cognitiva tradicional -dos pobres- é imprescindível para o "ensinar a pescar" que provocará o crescimento para todos.

Professores, pesquisadores, estudantes, movimentos sociais e gestores públicos, sob a coordenação do Ministério da Ciência e Tecnologia, terão um papel central, gratificante e proveitoso na erradicação da miséria.

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RENATO DAGINO, mestre em economia do desenvolvimento e doutor em ciências humanas, é professor titular de política científica e tecnologia da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas)

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