Vidas que se acabam a sorrir
Luzes que se apagam, nada mais
É sonhar em vão tentar aos outros iludir
Se o que se foi pra nós
Não voltará jamais
Para que chorar o que passou
Lamentar perdidas ilusões
Se o ideal que sempre nos acalentou
Renascerá em outros corações
Luzes que se apagam, nada mais
É sonhar em vão tentar aos outros iludir
Se o que se foi pra nós
Não voltará jamais
Para que chorar o que passou
Lamentar perdidas ilusões
Se o ideal que sempre nos acalentou
Renascerá em outros corações
("Luzes da Ribalta" - Composição: Charles Chaplin/ Versão: Antonio Almeida e João de Barro)
Vicente D. Moreira
Gostaria muito de estar em São Paulo nesse agora chamado 9 de janeiro de 2011, "só" para não ir ao Cine Belas Artes, "só" para não sofrer a paixão e morte na cerimônia de adeus deste templo de uma religião chamada Cinema: o Belas Artes.
O Belas Artes vai morrer, está agonizando nestes últimos domingos deste primeiro mês de 2011. Mesmo que num outro lugar de São Paulo, seja aberta uma sala com o mesmo nome ... tudo isso será debalde. Salas de cinema e feiras livres não podem ser transferidas de lugar para outro sem que suas almas se percam para sempre no inferno da desmemória, da amnésia cultural. Como baobás, salas de cinema e feiras livres têm suas raízes apontadas e fincadas naquele pedaço preciso de céu que as protege.
Há 45 anos quando comecei a ir a São Paulo foi na esquina sagrada da Consolação com a Paulista que não tive condições de prever que aquelas esperas e aquelas sessões cinematográficas apontavam seu dedos invisíveis para o fim; para o aviltamento das sacrossalas de cinema para salas de gastronomia - imaginem! - de pipocas e de mexericos ... em salas gastr`^onimas da má educação vizinhas às praças de alimentação dos shopping centers. Não que não se vendessem, lá no agora agonizante cine Belas Artes, pipocas, refrigerantes, doces ... mas não vivíamos ainda a pobreza do comer famélico de espírito e das heresias contra o sagrado e zombeteiras das hierofanias das salas de cinema à beira da rua. Não éramos, nós espíritos livres nietzscheanos , vítimas dos desrespeitosos barulhos de vozes .. por que não te calas? - barulhos de papéis sendo sofregamente amassados e ruídos ameaçadores da besta anunciadora da barbárie apocaliptica desse nosso 'progressista' século XXI.
Melhor, então, 'baixar' um filme, locar um DVD, e ficar gozando a arte do cinema no silêncio da nossa sala doméstica diante de uma TV LCD de 45, 50, 100 polegadas? E a magia, e a ansiedade, e o cheiro de pipoca das salas de espera dos cinemas? Outrora, a memória visual, sonora (ou não) das películas estava associada à memória olfativa dos cheiros das salas de cinema e dos perfumes que usávamos ou aqueles exalados pelas pessoas que sentavam próximo a nós ou da pessoa, particular, íntima, que sentava colada a nós no escurinho da sala de espera do cinema.
Apesar da distância física (nem tão grande!), o Belas Artes era vizinho espiritual dos domingos das salas das avenidas São João, Ipiranga ... e de seus climas dominicais de entra-e-sai das salas de cinema daqueles 'centrões'. Os domingos dos cinéfilos do centrão paulista eram a vez e a hora da exibição da moda. Da moda da Jovem Guarda, por exemplo; cintos largos, fivelas largas, casmisas 'volta ao mundo', calças 'boca de sino', botinhas ... Onde esses jovens compravam tudo isso, na 25 de Março, no Brás? Ora, ora, moda é imitação .. seja no Saara (Rio de Janeiro), seja na Oscar Freire (Sampa).
Foi no Belas Artes onde pude viver/vivenciar o cinema - a sala - como um templo; infelizmente, não previa eu que vivia a alegria, o prazer estético, de seus últimos momentos. Chego a pensar que a árvore (o cinema como arte) impediu, ao longo de todo esse tempo, a visão da floresta, vale dizer, das salas de cinema. Revejo/relembro, neste instante, os interiores das salas do Belas Artes e do Cine Tupi - esta última na Baixa dos Sapateiros em Salvador.
Onde estão as belas salas dos cinemas de centro de cidade das cidades? Em Andrômeda?
Peço permissão a Ruy Castro para encerrar esta crônica (necrolégio?) com suas palavras ("Cidades Hostís", Folha de S. Paulo, 7 de janeiro de 2011, p. A2):
"Um cinema que fecha é uma calçada sem pipoqueiro e uma fila a menos na cidade. É mais um quarteirão sem luzes, sem movimento noturno e sem possibilidade de encontros, amigáveis ou amorosos´. É um lugar a menos para flanar, para fazer hora, até para paquerar. E é também um cenário a menos para que os jovens descubram e troquem ideias sobre cultura, história, comportamento.
Não acho que os cinemas devam continuar abertos mesmo que às moscas. O que lamento é a perda dos ditos espaços de conveniência nas cidades. Para cada cinema, loja de discos ou pequena livraria que sai de cena, um supermercado, banco ou farmácia toma o seu lugar, ocupa-o agressivamente e nos embrutece um pouco mais."
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