quinta-feira, 3 de março de 2016

POESIA.NET. S PAULO - ANGÉLICA TORRES LIMA

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Sem pedir licença aos deuses

Pode rim
ar/ amor e dor,/ pois dor e amor/ dão belo par. // Mas quem for dar,/ em vez de amor,/ somente dor,/ não deve amar.» (Marcelo Sandmann) *
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Angélica Torres
Angélica Torres Lima
Angélica Torres Lima



Yolanda Mohalyi - Figura feminina
Yolanda Mohalyi (1909-1978), húngaro-brasileira, Figura feminina 




AGNI 

Essa sanha titânica
que me leva a pôr fogo
no mundo sem pedir
licença aos deuses
essa sanha que alastra
a língua ardente
do arco-íris
na manhã do logos
toma de Prometeu
a tocha e com ela varre
o forro o foro o fundo
da casa os porões do corpo
os pilares da palavra
lava com a lava embaixo
em redor e sobre.



Yolanda Mohalyi - 1878-79
Yolanda Mohalyi, Avenida São João (anos 30)


Sem pedir licença aos deuses
Angélica Torres Lima

 


Yolanda Mohalyi - Figura feminina
Yolanda Mohalyi (1909-1978), húngaro-brasileira, Figura feminina 




AGNI 

Essa sanha titânica
que me leva a pôr fogo
no mundo sem pedir
licença aos deuses
essa sanha que alastra
a língua ardente
do arco-íris
na manhã do logos
toma de Prometeu
a tocha e com ela varre
o forro o foro o fundo
da casa os porões do corpo
os pilares da palavra
lava com a lava embaixo
em redor e sobre.



Yolanda Mohalyi - 1878-79
Yolanda Mohalyi, Avenida São João (anos 30)




CINZENTA 

Observe o cérebro
doutor. O traçado
é inteiro labirinto.
Que caminho faço
pra dele chegar
onde preciso? Antes
tomo absinto?
Pela porta do peito
entreaberto avisto um
campo menos íngreme.
Se por ela atravesso
alcanço onde me espero
fundo um reino
e me ilumino?



Yolanda Mohalyi - Jovem mãe (1937)
Yolanda Mohalyi, Jovem mãe (1937)




CÓSMICA 

Só lhe dão
o sol
no chão

semente de
ardente urdidura
vã iluminura

e a loba anseia
as luas cheias
da ursa maior.



Yolanda Mohalyi - Menino (1947)
Yolanda Mohalyi, Menino (1947)



RETIRO 

Ai o tempo vivido entre raízes
e grimpas de flamboiãs. O pequi
a jabuticaba a goiaba perfumados.
De ninguém o amanhã.
O dia aceso no alpendre
de hortênsias antúrios
capim santo.
Tardinha e madrugada
a mesma luz de lampião
nos augúrios do campo.
O anel de noiva enterrado no pasto
e a boiada desandada no desfile
de sete de setembro.
Mas ouviam-se em hi-fi
as big bands.



Yolanda Mohalyi - Violão
Yolanda Mohalyi, Violão 




ECOS 

E o vento
maestro de folhagens
te incorpora pai
eu sinto e ouço
a sinfonia da fazenda
na cidade à beira-mar.
Algaravia
agoravia agorouvia
o seu fantasma
a conversar comigo
em meio à suave orgia
de rã sapo e jia
em tarde vegetal.



Yolanda Mohalyi - Autorretrato (1944)
Yolanda Mohalyi, Autorretrato (1944)




CERCANIAS 

O silêncio sorve a poeira
da paisagem ancestral
e ela dando adeus ilhada
em seu curral federal.
Prisioneira de prancheta
prosa parafernália política
só entre o céu encarnado
e as ikebanas contorcidas
sabe lá a sua sina
traçada de Cruls
a Costa e cruz
      e sonha-se concreto de
      olhos d'águas e caliandras
      veredas e campos de lírios.
      Chora o vento uivando
      com Dilermando e o peixe
      apartado d'água fria
      (e agora Cerrado
      sem a sua companhia?)

Ao longe só seriema
com seu agourento
tristíssimo canto.


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Carlos Machado, 2015

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