Puxando o tapete
fonte - extraíso de Folha de São Paulo. São Pauloo (SP-Brasil), 26/01/2014
fonte - extraíso de Folha de São Paulo. São Pauloo (SP-Brasil), 26/01/2014
Mercado de tapetes persas sofre com sanções, concorrência de produtos do
exterior e escassez de mão de obra qualificada
SAMY ADGHIRNIDE TEERÃ
Símbolo da milenar cultura iraniana, a indústria do tapete persa luta
para sobreviver a golpes desferidos pela política e pela modernidade.
Números expõem a crise num setor do qual dependem 10% dos iranianos e
que se sustenta principalmente graças a exportações.
O faturamento com as vendas para o exterior despencou 30% desde abril,
de acordo com exportadores.
O declínio não é recente. Em 2003, o Irã vendia o equivalente a US$ 1,5
bilhão por ano em tapetes. Hoje, pouco mais de US$ 500 milhões.
O número de pessoas empregadas no setor caiu pela metade desde 2000,
quando eram 2 milhões.
Profissionais do ramo disseram à Folha que a queda resulta, em grande parte, do acirramento das sanções
econômicas ao programa nuclear impostas pelas potências ocidentais durante o
governo do presidente Mahmoud Ahmadinejad (2005-2013).
Punições dificultam pagamentos internacionais e emperram a circulação de
mercadorias. Nos EUA, a lei veta importação de tapetes do Irã.
Sanções também derrubaram o valor da moeda iraniana em relação ao dólar, o que encareceu drasticamente a aquisição de matérias-primas importadas, como seda e lã.
Sanções também derrubaram o valor da moeda iraniana em relação ao dólar, o que encareceu drasticamente a aquisição de matérias-primas importadas, como seda e lã.
"Americanos dizem que o alvo das sanções é o governo, mas elas
afetam só a população. Tapetes não têm nada a ver com política ou energia
atômica", queixa-se Ali Lahouti, da Associação de Exportadores de Tapetes.
Ele defende que Teerã deveria processar o governo dos EUA pelo embargo
ao setor.
Tapetes também sofrem com a conjuntura adversa, na qual a crise
econômica em mercados tradicionais, como Europa e os países palco das revoltas
árabes, soma-se à concorrência de produtos fabricados na Índia ou na Turquia,
muito mais baratos. "Um tapete persa feito à mão é uma criação única, um produto gerado
por artistas que às vezes passam anos tecendo a mesma peça", diz o
vendedor Hossein Hosseiny, 31, cuja família atua no ramo há três gerações.
"Ninguém em sã consciência ousaria comparar a sofisticação e a
qualidade dos tapetes persas com a dos rivais", afirma Hosseiny. Ele acusa
indianos e turcos de copiar modelos e motivos do Irã.
Os iranianos, porém, continuam líderes mundiais no ramo de tapetes
feitos à mão.
PAÍS EM MUTAÇÃO
Para além das tensões com o exterior, o declínio dos tapetes também reflete mudanças sociais que estão transformando o Irã.
Em busca de uma vida melhor, filhos de tecelões vêm há décadas migrando em massa do interior para as grandes cidades. Como a profissão carece de regulamentação, tecelões às vezes trabalham em condições precárias e sem direitos trabalhistas.
A escassez de mão de obra agravou-se nos últimos anos, segundo o
exportador Lahouti, devido às iniciativas populistas de Ahmadinejad, que
instaurou sistema de remessas mensais em cash equivalentes a cerca de US$ 20
para cada cidadão iraniano.
"Imagine uma família de sete pessoas morando no interior, onde a
vida é mais barata. Se todos recebem quantia garantida a cada mês, eles não
veem motivo para produzir tapetes", diz o exportador. Com menos profissionais, também se perde o saber dos grandes mestres
tecelões.
"Nenhum jovem tem paciência para seguir carreira até se tornar um grande artista, capaz de produzir uma obra prima como esta", diz Hosseiny ao exibir uma peça de pura seda fabricada há 60 anos, cujos motivos simbolizam as quatro estações.
Avaliado em US$ 20 mil, o tapete é um dos mais valiosos de sua lojinha no bazar de Teerã, maior concentração de tapetes no mundo.
Há registros de obras-primas do século 17 vendidas em leilões no
Ocidente por milhões de dólares.
Vendas domésticas também estão em queda, por causa da disparada nos preços, num país com inflação a 39%. Famílias que antes apostavam em tapetes como investimento hoje optam por imóveis, dólares ou ouro.
ALARMISMO
Alguns peritos não compartilham do alarmismo dominante. Ali Reza
Ghaderi, fundador de um site que incentiva reflexão e cooperação entre
profissionais do setor, atribuiu o declínio à explosão de uma bolha gerada por
excesso de oferta.
"Após a guerra [com o Iraque, 1980-88], muita gente entrou no ramo
para ganhar dinheiro. O mercado inflou e a qualidade baixou. Agora, quem não
tem raiz no setor está pulando fora. Estamos voltando à perfeição", afirma
Ghaderi, que não acredita na extinção das técnicas.
"Tapetes são para nós o que é o samba para brasileiros. Não há
regras escritas, é um patrimônio cultural", diz.
O setor também se ampara no otimismo com a eleição do presidente Hasan
Rowhani, que lançou esforços para se reaproximar do Ocidente.
"Os turistas já estão voltando e comprando. Só falta as sanções
serem levantadas", diz Hosseiny.
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