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27.8.06
O CARNAVAL DAS DENÚNCIAS
O carnaval de 1954 ficou na história pela grande quantidade de músicas que denunciava nossas mazelas sociais. Ao lado dos temas recorrentes – cachaça, juras de amor, Adão e Eva etc. -, a situação de penúria por que passava as massas proletárias, ao lado dos péssimos serviços públicos prestados por companhias privadas, são firmemente atacados pelos compositores, como se o povão lhes outorgasse o direito de defendê-los. De lamentar, porém, é o fato de que tais denúncias acabavam por não surtir os efeitos esperados, em meio a tanta orgia, lança-perfumes, pierrôs e colombinas.

"Diploma de pobre é marmita
O rico é quem vive em boca rica.
Enquanto o filho do rico
Vai estudar
Coitado do filho do pobre
Vai trabalhar.
Coitado do filho do pobre
Que mal ganha para se sustentar
Quatro ou cinco bocas
Que ficaram em seu lar.
Enquanto o filho do rico
Estuda e vai ser doutor
O filho do pobre
Nasce e morre trabalhador.”
Especial Moreira da Silva (parte 1).
Especial Moreira da Silva (parte 2).

“Você está vendo aquela casa ( ai! ai! ai)Tem São Jorge na entradaTem retrato do mengo na paredeTem rádio, tem cristaleiraUma morena tipo violãoÉ assim uma casa brasileira.
Na panela, nem sempre tem feijão
Falta isso, falta aquilo
Falta tudo meu irmão
Mas se há festa, samba, mesa com cadeira
É assim uma casa brasileira.”
Nesse ano, até João de Barro, o Braguinha, entra na briga e compõe Acende a Vela, em que, por mais incrível que pareça, sugere que, por não atender a contento os reclamos da população, o melhor seria – isto dito nas entrel
inhas – a privatização da Light. Entenda-se o motivo: elemento típico da pequena burguesia urbana, Braguinha sentia na pele os constantes cortes de energia que prejudicavam sobremaneira a classe média carioca, iniciando, nesse momento, a aquisição de aparelhos elétricos, e não podendo, por isso, conviver com os constantes cortes no fornecimento de energia. Quem poderia pensar que, muitos anos depois, em pleno século 21, no governo de FHC que, pretensamente, viria acabar com a herança getulista, trazendo a modernidade para o país, a situação seria exatamente a mesma, a música podendo ser cantada no período fernandista sem tirar uma vírgula. O tempo é mesmo senhor da razão.

Mesmo sendo lançada pela favorita Emilinha Borba e ser uma das melhores composições desse carnaval, não alcança, porém, o êxito esperado:
“Acenda a vela, IaiáAcende a velaQue a Light cortou a luzNo escuro eu não vejo aquelaCarinha que me seduz.
Ó seu inglês da LightA coisa não vai all rightSe com uísque não vai não
Bota cachaça no ribeirão.”
“Rio de JaneiroCidade que nos seduz
De dia falta água
De noite falta luz.
Abro o chuveiro
Não cai nem um pingo
Desde segunda
Até domingo.
Eu vou pro mato
Ai! pro mato eu vou
Vou buscar um vagalume
Pra dar luz ao meu chatô."
“Meu Deus do céu
Que carestia
Falta de tudo na vida
Hoje em dia.
Falta gás no fogão
Falta luz no porãoFalta água na pia
Fogo apagado
Panela vazia."

“Fala, arranha-céu da cidade
A sua voz na verdade
É a voz do povo, afinal.
Fala que o barracão está ouvindo
Embora quase caindo
É seu irmão social.
Fala, arranha-céu
Obra da mão do homem
Que fez você tão grande
E mora num barracão sem nome.”
“Monsieur” Blecaute (1919 - 1983), cantor carnavalesco por excelência, nascido
Otávio Henrique de Oliveira na cidade do Espírito Santo do Pinhal (São Paulo), aos 18 anos já é um “habituê” dos programas de calouros das rádios paulistanas, até que inicia uma carreira regular na Rádio Difusora por um cachê de 30 mil réis. Ganha, a essa época, do famoso humorista e compositor Capitão Fortuna o apelido de Black-Out, mais tarde aportuguesado para Blecaute, com o qual inicia sua verdadeira carreira no show-business.

Sua primeira chance aparece logo que chega ao Rio de Janeiro em 1942. Consegue ser contratado pelos cassinos Atlântico e Guarujá, onde se destaca em meio a inúmeros artistas, o que não era pouco. Entretanto, quando Eurico Gaspar Dutra, o presidente da República, fecha os cassinos brasileiros, Blecaute fica vários anos desempregado, sobrevivendo de bicos, até que Floriano Faissal o leva para a Rádio Nacional. Pedreiro Valdemar, de Wilson Batista, foi seu primeiro sucesso, ao qual se seguem Rei Zulu, General da Banda, Papai Adão e outras mais. Destas, General da Banda foi a que mais se destacou com o passar dos anos (até Elis Regina a regravou) e sua consagração definitiva. Quando estourou no carnaval de 1949, certa feita, vestido de...General da Banda, foi carregado em triunfo pelas massas até o Teatro Minicipal, o máximo para um artista à época.
Nesse carnaval de 1954, alcança ele outro notável êxito com a marcha Piada de Salão, da vitoriosa dupla Klécius Caldas e Armando Cavalcanti, a grande vencedora do concurso de músicas carnavalescas promovido pela prefeitura do Distrito Federal:
Nesse carnaval de 1954, alcança ele outro notável êxito com a marcha Piada de Salão, da vitoriosa dupla Klécius Caldas e Armando Cavalcanti, a grande vencedora do concurso de músicas carnavalescas promovido pela prefeitura do Distrito Federal:
“É ou não é
Piada de salão
Se acha que não é
Então não conto não.
Um sujeito que era gago
Procurou um botequim
Chegou perto do gerente
Outro gago bem ruim
E disse assim:
Eu estou, tô, tô, tô, tô
Aonde é que está, tá, tá
Mas o outro gaguejou
Chi! tra, rá, rá, rá, rá.”
Outra marcha premiada foi Saca-Rolha, de Zé da Zilda, Zilda do Zé e Claudionor Santos, interpretada pela dupla Zé e Zilda, a mais cantada e executada desse carnaval, e que despertou enorme polêmica por sua melodia ter sido considerada plágio do bolero Cancion del Alma:
“As águas vão rolarGarrafa cheia eu não quero ver sobrarEu passo a mão no saca, saca, saca-rolhaE bebo até me afogar.
Se a polícia por isso me prenderE na última hora me soltarEu pego a mão na saca, saca, saca-rolhaNinguém me agarra, ninguém me agarra."

“Tenha piedade de mim
Não posso mais
Ó meu senhor
O meu amor não volta mais.
Meu sofrer é profundo
Eu já vi que o mundo
Me abandonou.
Quem me vê sorrir
Pensa que eu sou feliz
Mas feliz eu não sou.”
Outro grande sucesso nesse ano de Jorge Veiga foi a maliciosa marchinha A História da Maçã, também dos mestres Haroldo Lobo e Milton de Oliveira, executada à exaustão pelas rádios e uma das mais cantadas nos bailes carnavalescos. Ficou famosa porque sua letra era trocada pelos foliões por uma bem mais pesada ("A história da maçã/É pura safadeza/ Adão comeu a Eva/E a maçã de sobremesa..."):
"A história da maçã
É pura fantasia
Maçã igual aquela
Papai também comia.
Eu li no almanaque
Que um dia de manhã
Adão estava com fome
E comeu a tal maçã.
Comeu com casca e tudo
Não deixando nem semente
Depois botou a culpa
Na pobre da serpente.”
Ouça Jorge Veiga interpretando A História da Maçã.

“Eu não sou águaPra me tratares assimSó na hora da secaÉ que procuras por mimA fonte secouQuerodizerQue entre nósTudo acabou..Teu egoísmo me libertouNão deves mais me procurarA fonte do meu amorsecouMas os teus olhosNunca mais hão de secar.”
César de Alencar interpretando Coitado do Abdala.
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