A Magia da Poesia: Maiakóvski – Poemas Traduzidos Selecionados |
Posted: 08 Apr 2015 04:52 AM PDT
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Maiakóvski - Poemas Traduzidos Selecionados
BLUSA FÁTUA
Costurarei calças pretas
com o veludo da minha garganta e uma blusa amarela com três metros de poente. Pela Niévski do mundo, como criança grande, andarei, donjuan, com ar de dândi.
Que a terra gema em sua mole indolência:
“Não viole o verde de as minhas primaveras!” Mostrando os dentes, rirei ao sol com insolência: “No asfalto liso hei de rolar as rimas veras!”
Não sei se é porque o céu é azul celeste
e a terra, amante, me estende as mãos ardentes que eu faço versos alegres como marionetes e afiados e precisos como palitar dentes!
Fêmeas, gamadas em minha carne, e esta
garota que me olha com amor de gêmea, cubram-me de sorrisos, que eu, poeta, com flores os bordarei na blusa cor de gema!
( Maiakóvski – tradução: Augusto de Campos )
(De outro livro, outro tradutor, outro poema:)
E então, que quereis?
Fiz ranger as folhas de jornal
abrindo-lhes as pálpebras piscantes. E logo de cada fronteira distante subiu um cheiro de pólvora perseguindo-me até em casa. Nestes últimos vinte anos nada de novo há no rugir das tempestades.
Não estamos alegres,
é certo, mas também por que razão haveríamos de ficar tristes? O mar da história é agitado. As ameaças e as guerras havemos de atravessá-las, rompê-las ao meio, cortando-as como uma quilha corta as ondas.
( Maiakóvski, tradução de E. Carrera Guerra )
*
(De outro livro, outro tradutor, outro poema:)
AMO
A Lila Brik
COMUMENTE É ASSIM
Cada um ao nascer
traz sua dose de amor, mas os empregos, o dinheiro, tudo isso, nos resseca o solo do coração. Sobre o coração levamos o corpo, sobre o corpo a camisa, mas isto é pouco. Alguém imbecilmente inventou os punhos e sobre os peitos fez correr o amido de engomar. Quando velhos se arrependem. A mulher se pinta. O homem faz ginástica pelo sistema Müller. Mas é tarde. A pele enche-se de rugas. O amor floresce, floresce, e depois desfolha.
GAROTO
Fui agraciado com o amor sem limites.
Mas, quando garoto, a gente preocupada trabalhava e eu escapava para as margens do rio Rion e vagava sem fazer nada. Aborrecia-se minha mãe: “Garoto danado!” Meu pai me ameaçava com o cinturão. Mas eu, com três rublos falsos, jogava com os soldados sob os muros. Sem o peso da camisa, sem o peso das botas, de costas ou de barriga no chão, torrava-me ao sol de Kutaís até sentir pontadas no coração. O sol se assombrava: “Daquele tamaninho e com um tal coração! Vai partir-lhe a espinha! Como, será que cabem neste tico de gente o rio, o coração, eu e cem quilômetros de montanhas?”
ADOLESCENTE
A juventude tem mil ocupações.
Estudamos gramática até ficar zonzos. A mim me expulsaram do quinto ano e fui entupir os cárceres de Moscou. Em nosso pequeno mundo caseiro brotam pelos divãs poetas de melenas fartas. Que esperar desses líricos bichanos? Eu, no entanto, aprendi a amar no cárcere. Que vale comparado com isto a tristeza do bosque de Boulogne? Que valem comparados com isto suspiros ante a paisagem do mar? Eu, pois, me enamorei da janelinha da cela 103 da “oficina de pompas fúnebres”. Há gente que vê o sol todos os dias e se enche de presunção. “Não valem muito esses raiozinhos” dizem. Eu, então, por um raiozinho de sol amarelo dançando em minha parede teria dado todo um mundo.
MINHA UNIVERSIDADE
Conheceis o francês,
sabeis dividir, multiplicar, declinar com perfeição. Pois, declinai! Mas sabeis por acaso cantar em dueto com os edifícios? Entendeis por acaso a linguagem dos bondes? O pintainho humano mal abandona a casca atraca-se aos livros e a resmas de cadernos. Eu aprendi o alfabeto nos letreiros folheando páginas de estanho e ferro. Os professores tomam a terra e a descarnam e a descascam para afinal ensinar: “Toda ela não passa dum globinho!” Eu com os costados aprendi geografia. Não foi à toa que tanto dormi no chão. Os historiadores levantam a angustiante questão: - Era ou não roxa a barba de Barba Roxa? Que me importa! Não costumo remexer o pó dessas velharias! Mas das ruas de Moscou conheço todas as histórias. Uma vez instruídos, há os que propõem a agradar às damas, fazendo soar no crânio suas poucas idéias, como pobres moedas numa caixa de pau. Eu, somente com os edifícios, conversava. Somente os canos dágua me respondiam. Os tetos como orelhas espichando suas lucarnas atentas aguardavam as palavras que eu lhes deitaria. Depois noite a dentro uns com os outros palravam girando suas línguas de catavento.
ADULTOS
Os adultos fazem negócios.
Têm rublos nos bolsos. Quer amor? Pois não! Ei-lo por cem rublos! E eu, sem casa e sem teto, com as mãos metidas nos bolsos rasgados, vagava assombrado. À noite vestis os melhores trajes e ides descansar sobre viúvas ou casadas. A mim Moscou me sufocava de abraços com seus infinitos anéis de praças. Nos corações, nos relógios bate o pêndulo dos amantes. Como se exaltam as duplas no leito de amor! Eu, que sou a Praça da Paixão, surpreendo o pulsar selvagem do coração das capitais. Desabotoado, o coração quase de fora, abria-me ao sol e aos jatos dágua. Entrai com vossas paixões! Galgai-me com vossos amores! Doravante não sou mais dono de meu coração! Nos demais – eu sei, qualquer um sabe - o coração tem domicílio no peito. Comigo a anatomia ficou louca. Sou todo coração - em todas as partes palpita. Oh! quantas são as primaveras em vinte anos acesas nesta fornalha! Uma tal carga acumulada torna-se simplesmente insuportável. Insuportável não para o verso de veras.
O QUE ACONTECEU
Mais do que é permitido,
mais do que é preciso, como um delírio de poeta sobrecarregando o sonho: a pelota do coração tornou-se enorme, enorme o amor, enorme o ódio. Sob o fardo, as pernas vão vacilantes. Tu o sabes, sou bem fornido, entretanto me arrasto, apêndice do coração, vergando as espáduas gigantes. Encho-me dum leite de versos e, sem poder transbordar, encho-me mais e mais.
CLAMO
Levantei-o como um atleta,
levei-o como um acrobata, como se levam os candidatos ao comício, como nas aldeias se toca a rebate nos dias de incêndio. Clamava: “Aqui está, aqui! Tomai-o!” Quando este corpanzil se punha a uivar, as donas disparando pelo pó, pelo barro ou pela neve, como um foguete fugiam de mim. - “Para nós, algo um tanto menor, algo assim como um tango…” Não posso levá-lo e carrego meu fardo. Quero arremessá-lo fora e sei, não o farei. Os arcos de minhas costelas não resistem. Sob a pressão range a caixa torácica.
TU
Entraste.
A sério, olhaste a estatura, o bramido e simplesmente adivinhaste: uma criança. Tomaste, arrancaste-me o coração e simplesmente foste com ele jogar como uma menina com sua bola. E todas, como se vissem um milagre, senhoras e senhoritas exclamaram: - A esse amá-lo? Se se atira em cima, derruba a gente! Ela, com certeza, é domadora! Por certo, saiu duma jaula! E eu de júbilo esqueci o jugo. Louco de alegria saltava como em casamento de índio, tão leve, tão bem me sentia.
IMPOSSÍVEL
Sozinho não posso
carregar um piano e menos ainda um cofre-forte. Como poderia então retomar de ti meu coração e carregá-lo de volta? Os banqueiros dizem com razão: “Quando nos faltam bolsos, nós que somos muitíssimo ricos, guardamos o dinheiro no banco”. Em ti depositei meu amor, tesouro encerrado em caixa de ferro, e ando por aí como um Creso contente. É natural, pois, quando me dá vontade, que eu retire um sorriso, a metade de um sorriso ou menos até e indo com as donas eu gaste depois da meia-noite uns quantos rublos de lirismo à toa.
O QUE ACONTECEU COMIGO
As esquadras acodem ao porto.
O trem corre para as estações. Eu, mais depressa ainda, vou a ti, atraído, arrebatado, pois que te amo. Assim como se apeia o avarento cavaleiro de Púchkin, alegre por encafuar-se em seu sótão, assim eu regresso ati, amada, com o coração encantado de mim. Ficais contentes de retornar à casa. Ali vos livrais da sujeira, raspando-vos, lavando-vos, fazendo a barba. Assim retorno eu a ti. Por acaso, indo a ti não volto à minha casa? Gente terrena ao seio da terra volta. Sempre volvemos à nossa meta final. Assim eu, em tua direção sempre me inclino apenas nos separamos mal acabamos de nos ver.
DEDUÇÃO
Não acabarão com o amor,
nem as rusgas, nem a distância. Está provado, pensado, verificado. Aqui levanto solene minha estrofe de mil dedos e faço o juramento: Amo firme, fiel e verdadeiramente.
( Maiakóvski )
(1922 – em Maiacovski – Antologia Poética – tradução E. Carrera Guerra, ed. Max Limonad/SP).
*
“É melhor morrer de Vodka do que morrer de tédio.”
( Maiakóvski )
*
A EXTRAORDINÁRIA AVENTURA VIVIDA POR VLADÍMIR MAIAKOVSKI NO VERÃO NA DATCHA
(Púchkino, monte Akula, datcha de Rumiántzev, a 27 verstas pela estrada de ferro de Iaroslávl)
A tarde ardia com cem sóis.
O verão rolava em julho. O calor se enrolava no ar e nos lençóis da datcha onde eu estava. Na colina de Púchkino, corcunda, o monte Akula, e ao pé do monte a aldeia enruga a casa dos telhados. E atrás da aldeia, um buraco e no buraco, todo dia, o mesmo ato: o sol descia lento e exato. E de manhã outra vez por toda a parte lá estava o sol escarlate. Dia após dia isto começou a irritar-me terrivelmente. Um dia me enfureço a tal ponto que, de pavor, tudo empalidece. E grito ao sol, de pronto: “Desce! Chega de vadiar nessa fornalha!” E grito ao sol: “Parasita! Você, aí, a flanar pelos ares, e eu, aqui, cheio de tinta, com a cara nos cartazes!” E grito ao sol: “Espere! Ouça, topete de ouro, e se em lugar desse ocaso de paxá você baixar em casa para um chá?” Que mosca me mordeu! É o meu fim! Para mim sem perder tempo o sol alargando os raios-passos avança pelo campo. Não quero mostrar medo. Recuo para o quarto. Seus olhos brilham no jardim. Avançam mais. Pelas janelas, pelas portas, pelas frestas, a massa solar vem abaixo e invade a minha casa. Recobrando o fôlego, me diz o sol com voz de baixo: “Pela primeira vez recolho o fogo, desde que o mundo foi criado. Você me chamou? Apanhe o chá, pegue a compota, poeta!” Lágrimas na ponta dos olhos - o calor me fazia desvairar - eu lhe mostro o samovar: “Pois bem, sente-se, astro!” Quem me mandou berrar ao sol insolências sem conta? Contrafeito me sento numa ponta do banco e espero a conta com um frio no peito. Mas uma estranha claridade fluía sobre o quarto e esquecendo os cuidados começo pouco a pouco a palestrar com o astro. Falo disso e daquilo, como me cansa a Rosta, etc. E o sol: “Está certo, mas não se desgoste, não pinte as coisas tão pretas. E eu? Você pensa que brilhar é fácil? Prove, pra ver! Mas quando se começa é preciso prosseguir e a gente vai e brilha pra valer!” Conversamos até a noite ou até o que, antes, eram trevas. Como falar, ali, de sombras? Ficamos íntimos, os dois. Logo, com desassombro, estou batendo no seu ombro. E o sol, por fim: “Somos amigos pra sempre, eu de você, você de mim. Vamos poeta, cantar, luzir no lixo cinza do universo. Eu verterei o meu sol e você o seu com seus versos.” O muro das sombras, prisão das trevas, desaba sob o obus dos nossos sóis de duas bocas. Confusão de poesia e luz, chamas por toda a parte. Se o sol se cansa e a noite lenta quer ir pra cama, marmota sonolenta, eu, de repente, inflamo a minha flama e o dia fulge novamente. Brilhar pra sempre, brilhar como um farol, brilhar com brilho eterno, gente é pra brilhar, que tudo mais vá pro inferno, este é o meu slogan e o do sol.
1920
( Maiakóvski ) (tradução de Augusto de Campos)
(1. Datcha – casa de veraneio.
2. Versta – medida itinerária equivalente a 1,067m. 3. Rosta – A Agência Telegráfica Russa, para a qual Maiakovski executou cartazes satíricos de notícias – as “janelas” Rosta -, de 1919 a 1922.)
*
A PLENOS PULMÕES
Primeira Introdução ao Poema
Caros
camaradas futuros! Revolvendo a merda fóssil de agora, pesquisando estes dias escuros, talvez perguntareis por mim.
Ora,
começará vosso homem de ciência, afagando os porquês num banho de sabença, conta-se que outrora um férvido cantor a água sem fervura combateu com fervor(1). Professor, jogue fora suas lentes de arame! A mim cabe falar de mim de minha era. Eu ? incinerador, eu ? sanitarista, a revolução me convoca e me alista. Troco pelo front a horticultura airosa da poesia ? fêmea caprichosa. Ela ajardina o jardim virgem vargem sombra alfombra. “É assim o jardim de jasmim, o jardim de jasmim do alfenim.” Este verte versos feito regador, aquele os baba, boca em babador, ? bonifrates encapelados, descabelados vates ? entendê-los, ao diabo!, quem há-de… Quarentena é inútil contra eles ? mandolinam por detrás das paredes: “Ta-ran-tin, ta-ran-tin, ta-ran-ten-n-n…” Triste honra, se de tais rosas minha estátua se erigisse: na praça escarra a tuberculose; putas e rufiões numa ronda de sífilis. Também a mim a propaganda cansa, é tão fácil alinhavar romanças, ? Mas eu me dominava entretanto e pisava a garganta do meu canto. Escutai, camaradas futuros, o agitador, o cáustico caudilho, o extintor dos melífluos enxurros: por cima dos opúsculos líricos, eu vos falo como um vivo aos vivos. Chego a vós, à Comuna distante, não como Iessiênin, guitarriarcaico. Mas através dos séculos em arco sobre os poetas e sobre os governantes. Meu verso chegará, não como a seta lírico-amável, que persegue a caça. Nem como ao numismata a moeda gasta, nem como a luz das estrelas decrépitas. Meu verso com suor rompe a mole dos anos, e assoma a olho nu, palpável, bruto, como a nossos dias chega o aqueduto levantado por escravos romanos.
No túmulo dos livros,
versos como ossos, se estas estrofes de aço acaso descobrirdes, vós as respeitareis, como quem vê destroços de um arsenal antigo, mas terrível. Ao ouvido não diz blandícias minha voz; lóbulos de donzelas de cachos e bandós não faço enrubescer com lascivos rondós. Desdobro minhas páginas ? tropas em parada, e passo em revista o front das palavras. Estrofes estacam chumbo-severas, prontas para o triunfo ou para a morte. Poemas-canhões, rígida coorte, apontando as maiúsculas abertas. Ei-la, a cavalaria do sarcasmo, minha arma favorita, alerta para a luta. Rimas em riste, sofreando o entusiasmo, eriça suas lanças agudas. E todo este exército aguerrido, vinte anos de combates, não batido, eu vos dôo, proletários do planeta, cada folha até a última letra. O inimigo da colossal classe obreira, é também meu inimigo mortal. Anos de servidão e de miséria comandavam nossa bandeira vermelha. Nós abríamos Marx volume após volume, janelas de nossa casa abertas amplamente, mas ainda sem ler saberíamos o rumo! onde combater, de que lado, em que frente. Dialética, não aprendemos com Hegel. Invadiu-nos os versos ao fragor das batalhas, quando, sob o nosso projétil, debandava o burguês que antes nos debandara. Que essa viúva desolada, ? glória ? se arraste após os gênios, melancólica. Morre, meu verso, como um soldado anônimo na lufada do assalto.
Cuspo
sobre o bronze pesadíssimo,
cuspo
sobre o mármore viscoso. Partilhemos a glória, ? entre nós todos, ? o comum monumento: o socialismo, forjado na refrega e no fogo. Vindouros, varejai vossos léxicos: do Letes brotam letras como lixo ? “tuberculose”, “bloqueio”, “meretrício”. Por vós, geração de saudáveis, ? um poeta, com a língua dos cartazes, lambeu os escarros da tísis. A cauda dos anos faz-me agora um monstro, antediluviano. Camarada vida, vamos, para diante, galopemos pelo qüinqüênio afora(2). Os versos para mim não deram rublos, nem mobílias de madeiras caras. Uma camisa lavada e clara, e basta, ? para mim é tudo. Ao Comitê Central do futuro ofuscante, sobre a malta dos vates velhacos e falsários, apresento em lugar do registro partidário todos os cem tomos dos meus livros militantes.
dezembro 1929/janeiro 1930
1. Maiakóvski escreveu versos de propaganda sanitária.
2. Alusão aos Planos Qüinqüenais soviéticos.
(Tradução e notas de Haroldo de Campos)
Do livro “Maiakovski – Poemas”/Editora Perspectiva, 1982.
( Maiakóvski )
*
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Por Fabio Rocha, para A Magia da Poesia.
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