MEMÓRIA - 5 ANOS - CHARLES BAUDELAIRE, UM LÍRICO NO AUGE DO CAPITALISMO, de WALTER BENJAMIN
- NO DIA 28 DE FEVEREIRO DE 2010 NOSSO BLOGUE PUBLICAVA DO LIVRO CHARLES BAUDELAIRE, UM LÍRICO NO AUGE DO CAPITALISMO, DE WALTER BENJAMIN
DOMINGO, 28 DE FEVEREIRO DE 2010
RESENHA DO LIVRO DE BENJAMIN
RESENHA
LIVRO-
CHARLES BAUDELAIRE, UM LÍRICO NO AUGE DO CAPITALISMO, de WALTER BENJAMIN
BENJAMIN, Walter. Charles Baudelaire, um lírico no auge do capitalismo. / Auswhrl in drei Baenden/ Trad. José Carlos Martins Barbosa e Hemerson Alves Baptista. 1ª ed. São Paulo, Brasiliense, 1989, 271 p.
Resenhista – Vicente Deocleciano Moreira
A cidade é moderna
Dizia o cego a seu filho
Os olhos cheios de terra
O bonde fora dos trilhos
A aventura começa no coração dos navios
Pensava o filho calado
Pensava o filho ouvindo
Que a cidade é moderna
Pensava o filho sorrindo
E era surdo e era mudo
Mas que falava e ouvia
(“Trastevere” - Milton Nascimento e Ronaldo Bastos)
Seja no auge do capitalismo seja na atual (2010) fase do capitalismo, qual é mesmo o nome desta fase?, a cidade moderna é vista pelo cego e ouvida pelo surdo mudo; tudo está fora de ordem, fora da antiga ordem das cidades. Nas cidades mais do que antes, no auge do capitalismo, há um certo despudor na exibição de suas entranhas; elas, as cidades? suas entranhas?, gritam, brilham e erguem espelhos altos, até o céu, como moinhos de vento para Dom Quixote, espelhos narcísicos e babélicos ... onde ela possa se ver e se amar a si mesma dia e noite. Não há quem não a veja, não há quem não ouça suas estridências.
Baudelaire opera, com seu saber satanista, uma verdadeira chuva ácida e iconoclasta contra a sacralização do poético e se entrega à perdição profana do decadentismo trazido pela modernidade. Pelo capitalismo. Contra Victor Hugo, contra Lamartine. A lógica da mercadoria se impõe; nela, o capitalismo fixa suas mais profundas raízes. Poetas não são mais semideuses quase etéreos. Se Baudelaire xinga o leitor de hipócrita – e isto é uma agressão, uma indelicadeza … para ele tudo bem! Ele também se autodenomina hipócrita e, et pour cause, irmão desse leitor. E não para por aí. Em As Flores do Mal ao se referir a uma meretriz, diante dela prostra-se como um vendedor do próprio pensamento:
“Para ter sapatos, ela vende sua alma,
Mas o bom Deus riria se, perto dessa infame,
Eu bancasse o Tartufo e fingisse altivez,
Eu, que vendo meu pensamento e quero ser autor”
Há uma indisfarçável ironia, fina ironia, no veredito: “um lírico no auge do capitalismo” que Benjamin oferece a Charles Baudelaire. É mesmo a oposição entre o capitalismo e a lírica? Entre o princípio da realidade e o princípio do prazer? Em Paris, e onde mais houvera, paga-se para colocar a cabeça sob algum teto. Credores perseguem o inadimplente e ‘sem teto’ Baudelaire que procura amoldar sua imagem de artista à imagem de herói. Escreve à mãe em 26 de dezembro de 1853:
“Estou a tal ponto habituado a sofrimentos físicos, sei tão bem contentar-me com umas calças rotas, com uma jaqueta que deixa passar o vento e com dias camisas apenas, tenho tanta prática de encher os sapatos furados com palha ou mesmo com papel que quase só sinto os padecimentos morais. Todavia devo confessar que agora estou a ponto de não mais fazer movimentos bruscos, de não caminhar muito, por medo de dilacerar’ ainda mais as minhas coisas”. (Baudelaire, Dernières lettres inèdites à as mère, Paris, 1926, pp 44-45, Citado por Benjamin, W., Op. Cit., p. 71-72)
As máquinas são barulhentas. As cidades são barulhentas; não fora a abençoada macadamização ninguém ouviria ninguém à mesma mesa de um mesmo café.
Nessas ruas e suas calçadas alargadas graças ao ‘bisturi’ reformista de Haussmann (aquele mesmo citado pelo Prof. Jackson, (em entrevista à Folha de S. Paulo) na postagem (deste Blog) do dia 19 de fevereiro ... eis que surge, enigmático, o flâneur ... a rua é seu habitat. É a figura central do universo urbano capitalista baudelaireano. Isolado na/da multidão vê e é visto, profeta da modernidade, lento contra toda e qualquer velocidade, sobretudo à velocidade esmagadora da mercadoria. Mas ele é mercadoria. O flâneur imprime no olhar, em todos os sentidos, sua subjetividade, sua privacidade guardada a sete chaves. Ele é sujeito e não um traste esmagado pelas luzes e pelas trevas da cidade como o basbaque.
À maneira de um banquete de filósofos, Benjamin convida Marx e Engels, Coubert, Vitor Hugo, Verlaine, Valéry e tantos outros além de Poe. Paris, o prato principal. Londre, outro prato bem degustado. Benjamin faz mediação no encontro Baudelaire e Poe e sua visão detetivesca (?) no estranho solitário na multidão da cidade moderna; estranho e, vale dizer, obscuro; ecce homo o flâneur de Poe.
É Baudelaire o flâneur. E isto basta como veneno antiromantismo, é.
LIVRO-
CHARLES BAUDELAIRE, UM LÍRICO NO AUGE DO CAPITALISMO, de WALTER BENJAMIN
BENJAMIN, Walter. Charles Baudelaire, um lírico no auge do capitalismo. / Auswhrl in drei Baenden/ Trad. José Carlos Martins Barbosa e Hemerson Alves Baptista. 1ª ed. São Paulo, Brasiliense, 1989, 271 p.
Resenhista – Vicente Deocleciano Moreira
A cidade é moderna
Dizia o cego a seu filho
Os olhos cheios de terra
O bonde fora dos trilhos
A aventura começa no coração dos navios
Pensava o filho calado
Pensava o filho ouvindo
Que a cidade é moderna
Pensava o filho sorrindo
E era surdo e era mudo
Mas que falava e ouvia
(“Trastevere” - Milton Nascimento e Ronaldo Bastos)
Seja no auge do capitalismo seja na atual (2010) fase do capitalismo, qual é mesmo o nome desta fase?, a cidade moderna é vista pelo cego e ouvida pelo surdo mudo; tudo está fora de ordem, fora da antiga ordem das cidades. Nas cidades mais do que antes, no auge do capitalismo, há um certo despudor na exibição de suas entranhas; elas, as cidades? suas entranhas?, gritam, brilham e erguem espelhos altos, até o céu, como moinhos de vento para Dom Quixote, espelhos narcísicos e babélicos ... onde ela possa se ver e se amar a si mesma dia e noite. Não há quem não a veja, não há quem não ouça suas estridências.
Baudelaire opera, com seu saber satanista, uma verdadeira chuva ácida e iconoclasta contra a sacralização do poético e se entrega à perdição profana do decadentismo trazido pela modernidade. Pelo capitalismo. Contra Victor Hugo, contra Lamartine. A lógica da mercadoria se impõe; nela, o capitalismo fixa suas mais profundas raízes. Poetas não são mais semideuses quase etéreos. Se Baudelaire xinga o leitor de hipócrita – e isto é uma agressão, uma indelicadeza … para ele tudo bem! Ele também se autodenomina hipócrita e, et pour cause, irmão desse leitor. E não para por aí. Em As Flores do Mal ao se referir a uma meretriz, diante dela prostra-se como um vendedor do próprio pensamento:
“Para ter sapatos, ela vende sua alma,
Mas o bom Deus riria se, perto dessa infame,
Eu bancasse o Tartufo e fingisse altivez,
Eu, que vendo meu pensamento e quero ser autor”
Há uma indisfarçável ironia, fina ironia, no veredito: “um lírico no auge do capitalismo” que Benjamin oferece a Charles Baudelaire. É mesmo a oposição entre o capitalismo e a lírica? Entre o princípio da realidade e o princípio do prazer? Em Paris, e onde mais houvera, paga-se para colocar a cabeça sob algum teto. Credores perseguem o inadimplente e ‘sem teto’ Baudelaire que procura amoldar sua imagem de artista à imagem de herói. Escreve à mãe em 26 de dezembro de 1853:
“Estou a tal ponto habituado a sofrimentos físicos, sei tão bem contentar-me com umas calças rotas, com uma jaqueta que deixa passar o vento e com dias camisas apenas, tenho tanta prática de encher os sapatos furados com palha ou mesmo com papel que quase só sinto os padecimentos morais. Todavia devo confessar que agora estou a ponto de não mais fazer movimentos bruscos, de não caminhar muito, por medo de dilacerar’ ainda mais as minhas coisas”. (Baudelaire, Dernières lettres inèdites à as mère, Paris, 1926, pp 44-45, Citado por Benjamin, W., Op. Cit., p. 71-72)
As máquinas são barulhentas. As cidades são barulhentas; não fora a abençoada macadamização ninguém ouviria ninguém à mesma mesa de um mesmo café.
Nessas ruas e suas calçadas alargadas graças ao ‘bisturi’ reformista de Haussmann (aquele mesmo citado pelo Prof. Jackson, (em entrevista à Folha de S. Paulo) na postagem (deste Blog) do dia 19 de fevereiro ... eis que surge, enigmático, o flâneur ... a rua é seu habitat. É a figura central do universo urbano capitalista baudelaireano. Isolado na/da multidão vê e é visto, profeta da modernidade, lento contra toda e qualquer velocidade, sobretudo à velocidade esmagadora da mercadoria. Mas ele é mercadoria. O flâneur imprime no olhar, em todos os sentidos, sua subjetividade, sua privacidade guardada a sete chaves. Ele é sujeito e não um traste esmagado pelas luzes e pelas trevas da cidade como o basbaque.
À maneira de um banquete de filósofos, Benjamin convida Marx e Engels, Coubert, Vitor Hugo, Verlaine, Valéry e tantos outros além de Poe. Paris, o prato principal. Londre, outro prato bem degustado. Benjamin faz mediação no encontro Baudelaire e Poe e sua visão detetivesca (?) no estranho solitário na multidão da cidade moderna; estranho e, vale dizer, obscuro; ecce homo o flâneur de Poe.
É Baudelaire o flâneur. E isto basta como veneno antiromantismo, é.
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