domingo, 8 de março de 2015

LER JORNAL É ALEGRIA DOMINICAL ♫♫♫

 LER JORNAL É ALEGRIA DOMINICAL ♫♫♫

☼☼☼ LER JORNAL É ALEGRIA DOMINICAL ♫♫♫


Vicente Deocleciano Moreira


Não diria que TODAS AS PESSOAS amanhecem alegres em todos os domingos. Digo, sim, que todos os domingos amanhecem alegres todos os domingos. Mesmo quando chove.

Domingo é o dia mais premiado com hinos. Deve existir, em todo o mundo, milhares de hinos que celebram o domingo. Mas estou me lembrando nesse exato momento de apenas dois deles: “Domingo no Parque” (Gilberto Gil) e “Alegria Alegria” de Caetano Veloso. Já citamos “Domingo no Parque” em crônica anterior. Vamos concordar que nem todos esses hinos têm a palavra domingo no corpo ou mesmo no título. Mas o que vale é que eles traguem, traduzam e tragam o espírito do domingo . Vamos, então, recordar “Alegria Alegria”:



Alegria, Alegria


Caetano Veloso

Caminhando contra o vento
Sem lenço e sem documento
No sol de quase dezembro
Eu vou...
O sol se reparte em crimes
Espaçonaves, guerrilhas
Em cardinales bonitas
Eu vou...
Em caras de presidentes
Em grandes beijos de amor
Em dentes, pernas, bandeiras
Bomba e Brigitte Bardot...
O sol nas bancas de revista
Me enche de alegria e preguiça
Quem lê tanta notícia
Eu vou...
Por entre fotos e nomes
Os olhos cheios de cores
O peito cheio de amores vãos
Eu vou
Por que não, por que não...
Ela pensa em casamento
E eu nunca mais fui à escola
Sem lenço e sem documento,
Eu vou...
Eu tomo uma coca-cola
Ela pensa em casamento
E uma canção me consola
Eu vou...
Por entre fotos e nomes
Sem livros e sem fuzil
Sem fome, sem telefone
No coração do Brasil...
Ela nem sabe até pensei
Em cantar na televisão
O sol é tão bonito
Eu vou...
Sem lenço, sem documento
Nada no bolso ou nas mãos
Eu quero seguir vivendo, amor
Eu vou...
Por que não, por que não...
Por que não, por que não...
Por que não, por que não...
Por que não, por que não...



Que “sol” é esse que se reparte em crimes ... espaçonaves, guerrilhas ... caras de presidentes ... e outras notícias e imagens ...? Esse “sol” é – para além de nossa estrela de quinta grandeza - o jornal e as revistas. Efêmero, o sol ‘passa’ como um ente ‘passageiro’ que de resto ele é. Rui Barbosa aconselhava, principalmente aos jovens, a não deixarem que o sol passasse sobre eles; em outras palavras, que eles não acordassem tarde.


Parodiando Heráclito (para quem “sobre os que mergulham passam diferentes águas”), diríamos que sobre os que caminham passam diferentes sóis. Tão efêmero (hemero) e tão “metamorfose ambulante” (Raul Seixas) quanto o sol, é a natureza midiática e a durabilidade física do jornal, da revista.
Se toda essa “alegria alegria” não acontece necessariamente num domingo, não faz mal – a gente o inventa. Ou , com o ônus da prova nas mãos, acusamos qualquer outro dia da semana de plágio ou de apropriação indébita do espírito do domingo.
Muita gente acorda, aos domingos, sob os gritos: Olha O Diário do Mundo!!! ( nome fictício de jornal). Leia o Novas Novidades !!! ( nome fictício de jornal). Há crianças e adultos que só aos domingos vendem jornais, pelas ruas e praças de uma cidade.


Esses jornaleiros, ícones de uma tradição universal, são bancas de revista ambulantes, pois os jornais de domingo são o periódico dos outros dias e, na mesma edição, são revistas, quer dizer revêem e comentam fatos, ocorrências que já aconteceram. Além de oferecerem ao seu leitor de ‘sempre aos domingos’ cadernos de arte, cultura, medicina, dietética, artigos, resumos de telenovelas, notícias de celebridades da TV e do cinema, opiniões, etc. Aliás, como se não bastasse, alguns jornais trazem até revistas (propriamente ditas) em sua rechonchuda bagagem dominical.

Por que tem tanta gente que só lê e/ou assina jornais dia de domingo? Só por causa do caderno de empregos? Talvez não, pois há milhares de pessoas que, por várias razões, não lêem esse caderno. Por que, então, domingo é o dia que mais vende jornal?


Há pessoas que compram jornais de outros estados e países ... somente e sempre aos domingos. Aos domingos, bancas de jornais são assaltadas por uma explosão de bermudas, chinelos e muita preguiça. Ditado popular: “quem tem tempo, faz colher e borda o cabo”. Tempo sobrando, domingo é dia de folhear muito (sem a pressa exigida pela segunda-feira) e de consumir como nunca o que acontece pelo mundo.
Concordo inteiramente com o jornalista Sérgio Augusto: “Nem tudo que sai em jornal e revista merece o inglório destino de embrulhar peixe no dia seguinte” . (A Tarde, Salvador, Bahia, 21 de fevereiro de 2002) Jornais são fontes de memória social, de pesquisas históricas. É verdade que, tanto quanto as revistas, jornais têm a natureza do efêmero, do hemero.


[Num artigo, livro, num trabalho acadêmico, jornais e revistas não devem ser referido no meio dos livros e sob o título de Bibliografia ou Referências Bibliográficos. Bibliografia vem do grego Biblios que significa, em português, livro(s). Jornais e revistas (científicos ou não) devem estar referidos sob o título Hemerografia, ou Referências Hemerográficas. Se o autor desejar juntar livros, revistas e jornais, deve fazê-lo sob o título Referências]


Voltando à questão da natureza do efêmero enquanto meio e conteúdo midiático, o jornal como papel, como detrito, é o que demora menos de ser absorvido pela natureza: duas a seis semanas; no outro extremo, sacos e copos de plásticos (200 a 450 anos) e, com tempo indeterminado de absorção, borracha e garrafas e frascos de vidro.


Enquanto emissoras de TV (principalmente as abertas particulares) têm pesadelos para fazer uma programação dominical que agrade e que prendam telespectadores na poltrona ou “cadeira do papai”, para que não saiam de casa. Jornais sonham sorridentes com a chegada dos domingos e não “exigem” a permanência do leitor em casa.


Domingo ou não, por mais que uma emissora de TV consiga detalhar uma notícia expressiva (falecimentos, desastres, escândalos, tragédias ...) , no dia seguinte as pessoas procuram os jornais para convalidar, conscientemente ou não, em outros termos ler pra crer enfim, a notícia que a TV e o rádio alardearam no dia anterior. Mesmo que não comprem o jornal, as pessoas lêem as manchetes de sua primeira página, nas bancas ou na mão do jornaleiro ambulante.
Talvez tentando atrair e fixar pessoas, emissoras de TV rotulam seus noticiários “Jornal da Globo”, “Jornal da Band”, “Jornal Nacional”, “Jornal da Record”, “Jornal da Cultura” ... A toda-poderosa TV se rendendo ao teimoso e resistente jornal?


É fato que uma pessoa que não sabe ler ou não é portadora de deficiência auditiva ou visual é capaz de acompanhar um noticiário de rádio ou TV. O jornal e a revista exigem, diretamente, a competência da leitura; porém, ainda que não saiba ler, alguém pode ouvir a leitura, ou a tradução, de quem sabe.


Definitivamente, por que se lê e se vende tanto jornal aos domingos? Domingo é também conhecido como “Dia do Senhor”; tanto faz que o Senhor tenha descansado ou tenha começado a trabalhar (na criação do Mundo) no domingo. A repetição obsessiva dos ritos comprometido com verdades mitológicas, a repetição do nome e do texto narrativo do mito é o alimento vital que faz o próprio mito sobreviver (não morrer). Dizei uma só palavra do nome do mito e o mito será salvo. Em algum lugar do mundo há, nesse momento, alguém falando no nome do planeta Marte ... e assim (mesmo sem o saber) está garantindo a sobrevivência do mito Marte (divindade da guerra).


Assim como nos rituais do Ano Novo (qualquer que seja a cultura), o ser humano repete o ato da criação do Mundo, ‘daquele’ Mundo ‘daquela’ cultura. Na festa do Réveillon, pessoas se vestem de branco (a luz que supera as trevas que, anteriormente – no Ano Velho – cobria o Mundo), e soltam fogos de artifício que fazem barulho e iluminam céu e terra com variadas cores; estamos repetindo o “faça-se a luz” com todo o barulho e o colorido que o ato merece. Quer acreditemos que tenha sido pelo Big Bang, quer tenhamos fé que tenha sido pelas mãos de Deus, o Universo certamente começou com luzes, cores e barulho ou, quem sabe(?), sons musicais.


O ano que nasceu ontem, sob luzes e algazarra alegre, terminará amanhã sob as mais profundas trevas. É isso: o eterno retorno e seus mitos coadjuvantes. Reservemos já nossas promessas de renovação (dieta, menos álcool, menos cigarro) e de perfeição e, também, roupas brancas ... para o próximo Réveillon: e tempo para ler os jornais (e a crônica deste Blog) do próximo domingo.


No domingo nós – plagiadores impunes das obras das divindades - queremos saber, conhecer, estar informado sobre o que se passa no bairro e no mundo; é o dia em que exercitamos as fantasias da onisciência e da onipresença ... poderes/saberes que atribuímos, ao menos no Ocidente cristão, a Deus. A avidez tranqüila com que bancas de revistas ambulantes ou não são cercadas é a mesma avidez de sabersaborear (saber e saborear são a mesma coisa!) o Mundo, o Universo e de exercer o poder que qualquer saber (sobre qualquer coisa) confere, gratifica, o curioso.


Ler jornal é alegria dominical.

Bom domingo. Boas leituras de jornais e revistas de todo o Mundo: Europa, França e Bahia.

Bien à vous,

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