quarta-feira, 23 de julho de 2014

RILKE - POESIA.NET - SÃO PAULO - BRASIL


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Carlos Machado, 2014




Número 314 - Ano 12
São Paulo,

quarta-feira, 
23 de julho de 2014

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«Amor é compromisso / com algo mais terrível do que amor?»
 (Carlos Drummond de Andrade) *
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A chama viva do flamenco (2)

Rainer Maria Rilke 

Rainer Maria Rilke



Dançarina em vermelho e branco - Fabian Perez
Fabian Pérez, espanhol, Dançarina em Vermelho e Branco  


DANÇARINA ESPANHOLA

Como um fósforo a arder antes que cresça
a flama, distendendo em raios brancos
suas línguas de luz, assim começa
e se alastra ao redor, ágil e ardente,
a dança em arco aos trêmulos arrancos.

E logo ela é só flama, inteiramente.

Com um olhar põe fogo nos cabelos
e com arte sutil dos tornozelos
incendeia também os seus vestidos
de onde, serpentes doidas, a rompê-los,
saltam os braços nus com estalidos.

Então como se fosse um feixe aceso,
colhe o fogo num gesto de desprezo,
atira-o bruscamente no tablado
e o contempla. Ei-lo ao rés do chão, irado,
a sustentar ainda a chama viva.
Mas ela, do alto, num leve sorriso
de saudação, erguendo a fronte altiva,
pisa-o com seu pequeno pé preciso.

Pantera
 


A PANTERA

                 
 (No Jardin des Plantes, Paris)

De tanto olhar as grades seu olhar
esmoreceu e nada mais aferra.
Como se houvesse só grades na terra:
grades, apenas grades para olhar.

A onda andante e flexível do seu vulto
em círculos concêntricos decresce,
dança de força em torno a um ponto oculto
no qual um grande impulso se arrefece.

De vez em quando o fecho da pupila
se abre em silêncio. Uma imagem, então,
na tensa paz dos músculos se instila
para morrer no coração.




Castelo de Duino

Vista atual do Castelo de Duíno, no norte da Itália, onde
 
Rilke começou a escrever as famosas Elegias de Duíno,
 publicadas em 1923


O POETA 

Já te despedes de mim, Hora.
Teu golpe de asa é o meu açoite.
Só: da boca o que faço agora?
Que faço do dia, da noite?
Sem paz, sem amor, sem teto,
caminho pela vida afora.
Tudo aquilo em que ponho afeto
fica mais rico e me devora.




Poemas extraídos de:
•  Augusto de Campos
    Coisas e Anjos de Rilke
    
Ed. Perspectiva, São Paulo, 2001
______________
* Carlos Drummond de Andrade,

"Mineração do Outro", in Lição de Coisas (1964)

______________
Foto do Castelo de Duíno: "Castello
di Duino

0904"by Aconcagua (talk) -

Own work. Licensed under Creative Commons

Attribution-Share Alike 3.0 via Wikimedia Commons.








Caros,

Nesta edição, estou reprisando o poesia.net n. 50, de 2003, 
com alguns acréscimos de informações. O poeta em foco é o
 tcheco de língua alemã Rainer Maria Rilke. Para quem não leu 
o boletim original, este vale como o primeiro. E para quem quem
 leu, sempre faz bem revisitar um poeta como Rilke.
Há o Rilke das soberbas "Elegias de Duíno", que influenciaram meio
 mundo de poetas. Ali, são longos cantos, de longos versos derramados,
 marcados por um tom abertamente metafísico. Mas há também outro Rilke
, de um lirismo mais pé-no-chão. Essa é a faceta do poeta que destacamos
 neste boletim.

Nascido em Praga, na Boêmia, hoje República Tcheca, Rainer Maria Rilke (1875-1926)
 inclui-se entre os mais altos nomes da poesia no século XX e certamente o mais alto 
em língua alemã.

Rilke estudou nas universidades de Praga, Munique e Berlim. Publicou seu primeiro
 livro, Leben und Lieder (Vida e Canções) em 1894. Um dado curioso: durante toda a 
vida, o poeta não exerceu nenhuma profissão. Viveu sempre à custa de amigos nobres.

Publicadas em 1923, suas famosas Elegias de Duíno, por exemplo, foram parcialmente 
escritas no  Castelo de Duíno, na região de Trieste, Itália, onde ele morou por dois anos 
antes de Primeira Guerra Mundial. Lá, era convidado da princesa Maria von Thurn und Taxis.
Agradecido, o poeta dedicou as elegias à protetora.

Durante largo período, a faceta metafísica da poesia de Rilke determinou uma verdadeira 
cisão entre poetas. De um lado, postava-se uma enorme legião de influenciados pelos versos
 rilkeanos — nomeadamente, no Brasil, os poetas da chamada Geração de 45. De outro, os poetas 
de esquerda, que consideravam aquilo uma completa alienação. Pablo Neruda, no Canto Geral (1950),
 inclui Rilke entre os "falsos bruxos existenciais" e os "misterizantes".

Augusto de Campos conta que também os poetas concretos, por outras razões, puseram
 Rilke na geladeira. 

Depois, houve uma reconciliação. Tanto que os poemas mostrados neste boletim são todos traduzidos 
por Augusto de Campos. O poeta concreto, naturalmente, prefere os "poemas-coisa" —
 expressão do próprio Rilke, Dinggedichte —, versos em que se destaca um discurso 
mais colado à realidade. 

Aqui vão três desses poemas: "A Pantera", "Dançarina Espanhola" e "O Poeta", todos
 integrantes do livro "Novos Poemas", de 1907.  Nos dois primeiros, a palavra poética de 
Rilke se mostra em toda a sua precisão e expressividade. No último, "O Poeta", a mesma
 precisão serve a um lirismo mais confessional.

Também merecem destaque, entre as numerosas traduções de Rilke para o português, 
os trabalhos de Dora Ferreira da Silva (Elegias de Duíno, Ed. Globo, 2001) e de José Paulo
 Paes (Poemas, Cia. das Letras, 1993).


                           •o•

Rilke morreu em 1926 e deixou escrito seu próprio epitáfio:

Rosa, ó pura contradição, volúpia
de ser o sono de ninguém sob
                             [ tantas
pálpebras.

Rose, oh reiner Widerspruch, Lust,
Niemandes Schlaf zu sein unter
                             [ soviel
Lidern
.

Esses três versos fazem referência ao fato de o poeta ter-se ferido num
 espinho de rosa, o que agravou seu estado de saúde, pois já vinha sofrendo de leucemia. 
Um abraço, e até a próxima,

Carlos Machado


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