AMARGOSA - BAHIA - BRASIL
FCCV Leitura de fatos violentos publicados
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Ano 14, nº 06, 25/07/2014
Salvador - Bahia - Brasil
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É 16 de julho de 2014. Maria Vitória tem pouco mais de um ano e é vítima de uma morte violenta na cidade de Amargosa. De acordo com seus familiares e vizinhos, ela estaria em casa, no colo do pai, que estava sentado no sofá, quando foi alvejada por um policial civil, que adentrou a residência disparando contra a criança, com o intuito de perseguir um suposto ladrão.
Esta foi a versão mais cogitada na construção das notícias relativas ao fato que foi divulgado nas mídias locais, estaduais e de cobertura nacional. O assunto mobilizou a elite policial do Estado que, no dia seguinte, já se localizava na cidade através de um grande contingente de policiais civis e militares, contando, inclusive, com a presença do Secretário de Segurança Pública do Estado da Bahia. Ao mesmo tempo, foram transferidas à cidade equipes de jornalistas de diversos meios de comunicação. A atração destes dois poderes ao local de ocorrência indica um reconhecimento da importância do fato por parte dos atraídos. Cabe aí algum detalhamento.
Amargosa tem em torno de 35 mil habitantes e está situada a, aproximadamente, 250 km de Salvador. É uma cidade conhecida, mais amplamente, pela sua festa de São João. Chama a atenção o cuidado dispensado às praças e jardins em comparação com outras cidades baianas que têm o mesmo porte.
Até muito pouco tempo, Amargosa poderia ser considerada um local tranquilo, pacato, com conflitos capazes de serem resolvidos através de seus próprios recursos. Ela conta com instituições públicas como Prefeitura, Fórum e Ministério Público. Acerca de seis anos foi instalada uma unidade da Universidade Federal do Recôncavo, contribuindo para a atração de jovens vindos de outros municípios para cursarem formação universitária. Dispõe de duas agências bancárias que se localizam na praça da matriz.
Infelizmente, a cidade está incluída na lista daquelas que sofreram a ação de quadrilhas que praticam assaltos a bancos através de um procedimento que coloca os munícipes em estado de pânico. As entradas da cidade são tomadas por carros em chamas, a delegacia também é atingida, funcionários dos bancos são sequestrados, enfim, pode-se dizer que os assaltantes “sequestram”, temporariamente, o lugar. Por duas vezes, Amargosa foi cenário desta forma específica de ocorrência que também conta com elementos performáticos e amedrontadores como o disparo de tiros por armas mais sofisticadas. Especialmente, na última ação, foram jogadas pelas ruas moedas para serem recolhidas pelos curiosos. Depois destas atuações com elementos espetaculares já se deu outro assalto menos rumoroso através do sequestro de um gerente de banco, levando insegurança ao segmento dos bancários.
A cidade passou a padecer de uma estranha confusão. Por ser pacata e pequena teria o perfil ideal para agressões vindas de fora. Mas esta confusão tem sido transformada através da incorporação de práticas violentas por grupos de habitantes da cidade. Rapidamente o comércio, em seus mais diversos portes e gêneros, passou a ser alvo de assaltos frequentes. Como sempre, esta dinâmica desencadeia a elevação do medo junto aos moradores.
A presença da droga e do tráfico assumem o espaço de justificativa e explicação de todas as alterações danosas sofridas no solo de Amargosa. O lugar passa a ser visto como área comprometida pela presença do crack, droga que tem alçado no imaginário político e no mundo social à condição de problema sem solução, ou questão que exige respostas duras e drásticas a serem dadas pelas forças policiais.
O crack habitaria nas áreas recônditas das cidades, nas periferias, junto aos pobres. E aqui é possível iniciar um vínculo entre a droga e a morte de Maria Vitória. Ela morava no bairro periférico chamado Catiara. Um lugar que tem sofrido um processo de ressignificação junto com a Cidade. Na Amargosa do crime, Catiara é um nome forte, é uma das fontes mais referidas como espaço produtor de novas ilegalidades, associadas ao tráfico de drogas. É, portanto, um lugar em torno do qual cresce um estigma de ser responsável pela insegurança da cidade. Passa a ser, então um espaço avesso à urbe.
Aos poucos vão sendo criadas distinções relevantes entre os “lugares perigosos” e a cidade. Esta última é vítima dos primeiros e vai desenvolvendo um desejo de anular os “espaços do mal”. Assim, não apenas o crack é visto como um problema sem solução, mas os territórios urbanos imaginados como fontes de tais substâncias. E tais territórios sofrem algo como uma impossibilidade de se distinguir parede de porta e de gente. Tudo é parte do mal a ser combatido.
E assim, naquele lugar, é possível que a polícia derrube a porta e entre atirando, apesar da falta de respaldo legal.
No imaginário coletivo, Catiara é culpada e, como tal, é, moralmente, compatível às penas duríssimas e fatais. Mas também, pelo mesmo imaginário, uma criança de um ano é inocente. É no consenso social sobre a inocência da criança que Catiara grita e reivindica limite a esta espécie de maldição do lugar.
E se ali, naquele sofá onde estava Maria Vitória estivesse o bandido, provavelmente os habitantes de Catiara não teriam forças para recorrer ao socorro público ante a morte daquele morador, muito embora a nossa Constituição garanta a inviolabilidade domiciliar, salvo “em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, ainda, durante o dia, por determinação judicial”. Além disso, ao policial cabe a preservação da vida antes de qualquer outro tipo de patrimônio material.
Por fim, é auspicioso que a morte de Maria Vitória se torne um motivo para que os moradores de Amargosa ativem as razões de integração de toda a cidade contra a violência. Uma das coisas que merecem ser tentadas é um trabalho de apoio ao bairro vitimado pela violência, especialmente no que diz respeito à necessidade de se reagir às agressões de natureza simbólica sofridas por seus habitantes. Estas feridas, uma vez curadas, podem contribuir como valor cultural para toda a comunidade
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