sábado, 13 de dezembro de 2014

AFINAL, O QUE É POESIA? -(2) POESIA.NET - S PAULO - BRASIL

poesia.net header

«De tudo o que fica ou passa / subsiste um murmúrio, apenas.» 
(Hélio Pellegrino) *



Sete poetas brasileiros


Jorge de Lima, Cassiano Ricardo e Carlos Drummond (no alto); Mario Quintana (centro); Myriam Fraga, Francisco Carvalho e Roberval Pereyr (embaixo)


Amigas, amigos,

Neste 12 de dezembro, o boletim 
poesia.net completou 12 anos. 
É uma alegria constatar que este 
despretensioso empreendimento 
pessoal atingiu tal longevidade.
Comemoremos: doze vivas à poesia!

Para marcar a data, aqui vai 
um boletim com sete poetas
 brasileiros e uma polonesa,
 centrado num tema sempre atual: 
o que é a poesia?
•o•

Já faz algum tempo, eu pensava

 em fazer um boletim que procurasse 
responder, pela voz dos poetas, a esta
 pergunta fundamental: o que é a poesia? 
Embora saibamos de antemão que se 
trata de uma interrogação sem resposta — 
ou, pelo menos, sem resposta clara e 
convencional —, é sempre um exercício
 que suscita boas discussões e até novas 
criações poéticas.


Com essa ideia em mente, lembrei 
alguns textos de imediato e comecei 
a anotar outros que foram surgindo. 
Desse modo, reuni um punhado de
 poemas que tentam de alguma forma
 indicar a origem, o sentido ou alguma 
característica definidora do poema, do 
poeta ou do próprio ato criativo.

Numa conferência proferida na Universidade 
Harvard em 1967, o poeta argentino Jorge 
Luis Borges cita Santo Agostinho (354-430):
 “O que é o tempo? Se não me perguntam
 o que é o tempo, eu sei. Se me perguntam 
o que é, então não sei”. Borges conclui: 
“Sinto o mesmo em relação à poesia”. 
Por aí dá para perceber que estamos
 lidando com uma pergunta que 
admite muitas respostas ― ou nenhuma.

Mas, obviamente, não faltam definições, 
ou tentativas. Para o romântico alemão 
Novalis (Friedrich von Hardenberg, 1772-1801), 
"poesia é a arte de excitar a alma".
 Na visão de nosso contemporâneo 
americano-britânico Thomas Stearns Eliot,
 o T.S. Eliot (1888-1948), "toda verdadeira 
poesia é uma visão de mundo". Para o  
romântico inglês Samuel Taylor Coleridge 
(1772-1834), "poesia são as melhores palavras
 em sua melhor ordem".

E podemos prosseguir com mais poetas. 
Para Murilo Mendes, “a poesia sopra onde quer”, 
sugerindo que o poeta não tem controle absoluto
 sobre ela. Jorge de Lima, épico e católico 
extremado, afirma que a voz do poeta é a 
própria fala de Deus. Fernando Pessoa,
 via Ricardo Reis, assevera: “poesia é uma
 música que se faz com ideias”.

Na opinião do arrebatado Maiakóvski, 
ela é “uma viagem ao desconhecido” — 
consideração que, na essência, é a mesma 
de Oswald de Andrade. Para o poeta paulistano, 
ela representa “a descoberta do que nunca vi”. 
Por fim, o poeta concreto Augusto de Campos 
diz que a poesia representa uma "resposta sensível 
ao enigma do universo".

A lista poderia continuar indefinidamente.
 Mas vamos ver como outros sete de nossos mais destacados poetas contemporâneos enxergam o fenômeno que envolve a poesia e o poeta. Com a palavra, Jorge de Lima (1893-1953), 
Cassiano Ricardo (1895-1974), Carlos
 Drummond de Andrade (1902-1987), 
Mario Quintana (1906-1994), Francisco 
 Carvalho (1927-2013), Myriam Fraga (1937-) e Roberval Pereyr (1953-). Por último, mas não menos importante, depois de fechado o boletim, entrou na lista a polonesa Wislawa Szymborska.


•o•

JORGE DE LIMA

O alagoano Jorge de Lima escreveu 
pelo menos dois sonetos nos quais 
reflete sobre a poesia e o ofício do poeta.
 Um deles está em Invenção de Orfeu (1952), 
obra de fôlego camoniano, que é um poema 
recheado de poemas. Ali Jorge de Lima 
sugere: “Não procureis qualquer nexo naquilo / 
que os poetas pronunciam acordados”.
O outro texto encontra-se em seu Livro de Sonetos (1949) e abre a miniantologia ao
 lado. Nele, o autor aconselha: “Qualquer
 poema é talvez essas metades / 
essas indecisões das coisas vagas”. 
Firma-se aí a ideia da poesia como
 algo impreciso, que exige a intervenção 
do leitor como concriador, agregando 
sua experiência e suas emoções para 
dar ao texto algum sentido.
•o•


CASSIANO RICARDO
Em “Poética”, texto transcrito ao lado, o paulista Cassiano Ricardo apresenta 
outra forma de ver o fenômeno poético, 
enfatizando seu lado terra a terra e livrando
 o poeta de qualquer visão mítica ou mística. 
Cassiano e Jorge de Lima são poetas da 
mesma geração. No entanto, os poemas 
dos dois mostrados aqui obedecem a 
concepções bastante diferentes. 
Jorge de Lima escreveu aquele soneto 
num período de profunda religiosidade.
Cassiano, ao contrário, produziu seu
 poema num momento em que 
se encontrava envolvido com as vanguardas (concretistas e afins). Pessoalmente, 
também, o autor de Vamos Caçar Papagaios
 era muito mais inclinado para o mundo real,
 e os acontecimentos políticos e sociais de 
sua época. O contraste entre as “respostas” 
desses dois poetas confirma a tese de que 
toda boa definição é possível. 
•o•


CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
ficar fora desta antologia. O mestre itabirano 
também escreveu diversos poemas que 
discutem a condição do poeta, da poesia e 
do ato da criação poética. No poema
 “Procura da Poesia” (de A Rosa do Povo, 1945), 
ele opera em modo negativo: ocupa-se 
principalmente em distinguir o que não é poesia.
 "O que pensas e sentes, isso ainda não é poesia",
 diz ele. Da mesma forma, ao recomendar "Não dramatizes, não invoques / não indagues",
 propõe que a poesia também não reside nos procedimentos exagerados e lamuriosos.
No soneto “Conclusão” (ao lado), o poeta 
persevera na lógica do não. “Os impactos 
de amor não são poesia”. O belo? Também 
não. Mas, enfaticamente, ele também afirma: 
“Poesia são: coxa, fúria, cabala”. Entende,
 portanto, que a poesia pode estar em 
qualquer outra coisa, lugar ou situação. 
Por isso mesmo, a poesia não tem conexão 
obrigatória com aquilo que vulgarmente se
 considera “poético”, como os derramamentos sentimentais.

Nesse aspecto, como em muitos outros, 
Drummond concorda plenamente com seu 
amigo e mestre, 16 anos mais velho, o pernambucanoManuel Bandeira. No livro 
Itinerário de Pasárgada, Bandeira diz que
 “a poesia está em tudo — tanto nos amores 
como nos chinelos, tanto nas coisas lógicas 
como nas disparatadas”.


•o•


MARIO QUINTANA
O gaúcho Mario Quintana também 
escreveu muito sobre o tema, em prosa
 e verso. No poema “Projeto de Prefácio”, 
do livro Baú de Espantos (1986), ele faz pelo 
menos duas afirmações que dão o que pensar.
 Uma: “Sábias agudezas... refinamentos... / — 
não!” Ou seja, a boa poesia não precisa
 ser profunda, filosófica ou coisa do gênero.

Outra: ele considera a poesia tão
 fundamental para a vida que relega à condição de “pobre chocalho de palavras” o poema que não ajude a pessoa (leitor? poeta?) a preparar-se para a morte. O mesmo Quintana, em seu livro Caderno H, oferece esta brevíssima definição:
O poema
essa estranha máscara
mais verdadeira do que a própria face...


Mais Quintana. Em “Os Poemas”, de 
Os Esconderijos do Tempo (1980), ao lado,
 ele defende a ideia de que o “alimento” do
 poema está no leitor. Afina-se, portanto, 
com uma conhecida frase do poeta e ensaísta
 mexicano Octavio Paz: 
“Não há poema em si, mas em mim ou em ti”.


•o•


FRANCISCO CARVALHO
Inquietado pelas indagações sobre a natureza 
da poesia, o poeta cearenseFrancisco Carvalho escreveu reiteradas tentativas de 
resposta. Algumas delas estão aqui. 
“Fazer o poema / é agarrar o agora / 
para pô-lo inteiro / dentro da metáfora” 
(“Engenharia do Poema”, de As Verdes 
Léguas, 1979). Outra: “Fazer um poema / (...) / 
]É ver as coisas como as coisas não são” 
(“Dialética do Poema”, de O Silêncio é uma Figura Geométrica, 2002).

Em “Poder da Palavra”, texto transcrito
 ao lado, ele trata da necessidade da 
“palavra exata”. Basta uma, para fazer
 a glória do poema, ou — caso falhe — 
destruí-lo inapelavelmente. Em todos os
 casos citados, o poeta preocupa-se em 
especial com o ato da criação.
Isso lembra o que diz o poeta baiano
Affonso Manta: "O poema há de ser perfeito. / 
Ou ele come o poeta".


•o•


MYRIAM FRAGA
O ato da criação — a gênese do poema —
é igualmente o foco de algumas páginas
 da poeta baianaMyriam Fraga
Num texto de sua excelente coletânea 
Femina (1996), ela sustenta que “poesia
 é coisa de mulheres”. Perfeito. Criar um 
poema tem certamente algum parentesco 
com o ato feminino de gestar e dar à luz, 
trazer à vida esse ente de palavras, único 
e emocionado. “Poesia é sempre assim: /
 Uma alquimia de fetos, / Um lento porejar / 
De venenos sob a pele”.
Em “Possessão”, outro poema do mesmo 
livro (leia-o à direita), Myriam apresenta 
mais uma intrigante metáfora para a origem 
do poema. Agora é o mistério equestre mediante 
o qual um orixá toma posse do corpo do poeta, 
seu cavalo. Momento mágico de epifania, deslumbramento e criação.


•o•


ROBERVAL PEREYR
Poeta associado à geração da revista Hera
de Feira de Santana-BA,Roberval Pereyr 
também reflete sobre o fenômeno poético. 
No poema “A Poesia”, ele trabalha com
 uma feliz sucessão de metáforas para tentar caracterizar sua arte. Para ele, a poesia 
é “um destino acima do homem”.

De olho nas ruas, ele acredita que a mesma 
poesia “cresce / nos braços nus do mendigo, 
/ na voz de Joan Baez, no silêncio das janelas
 / abertas”. E mais: “a poesia é o elo mais 
definitivo / entre o que é vivo — e o que dorme...”


•o•


WISLAWA SZYMBORSKA

wislawa szymborska
 

Eu já havia concluído este boletim quando
 me lembrei de um texto da poeta polonesa
 Wislawa Szymborska(1923-2012). 
Trata-se do poema "Alguns Gostam 
de Poesia", que resolvi incorporar à
 seleção como um apêndice. Portanto, 
são agora sete poetas brasileiros mais 
uma polonesa.

O que se destaca no poema da vencedora 
do Nobel de 1996 é o fato de ela percorrer 
o caminho inverso de todos os poetas 
citados antes neste boletim. Enquanto os 
outros, de alguma forma, tentam definir a
 poesia ou procuram sugerir algo que leve 
o leitor a criar essa definição, Wislawa repete a pergunta: "mas o que é isso, poesia"? 
E responde candidamente: não sei. 
Desse modo, ela nos permite fechar este
 boletim de maneira circular: voltando ao
 ponto de partida. Retornamos a Jorge
 Luis Borges e sua citação de Santo Agostinho.


•o•

Se você, leitor, prestar atenção, vai 
encontrar uma miríade de outras definições 
do que sejam poeta, poema, poesia. 
Afinal, todo poeta que se preza sente-se
 tentado, pelo menos uma vez, a tomar 
como tema seu intrigante ofício.
Um abraço, e até a próxima,

Carlos Machado


•o•

Nenhum comentário:

Postar um comentário