Jorge de Lima, Cassiano Ricardo e Carlos Drummond (no alto); Mario Quintana (centro); Myriam Fraga, Francisco Carvalho e Roberval Pereyr (embaixo)
Amigas, amigos,
Neste 12 de dezembro, o boletim
poesia.net completou 12 anos.
É uma alegria constatar que este
despretensioso empreendimento
pessoal atingiu tal longevidade.
Comemoremos: doze vivas à poesia!
Para marcar a data, aqui vai
Para marcar a data, aqui vai
um boletim com sete poetas
brasileiros e uma polonesa,
centrado num tema sempre atual:
o que é a poesia?
•o•
Já faz algum tempo, eu pensava
em fazer um boletim que procurasse
responder, pela voz dos poetas, a esta
pergunta fundamental: o que é a poesia?
Embora saibamos de antemão que se
trata de uma interrogação sem resposta —
ou, pelo menos, sem resposta clara e
convencional —, é sempre um exercício
que suscita boas discussões e até novas
criações poéticas.
Com essa ideia em mente, lembrei
alguns textos de imediato e comecei
a anotar outros que foram surgindo.
Desse modo, reuni um punhado de
poemas que tentam de alguma forma
indicar a origem, o sentido ou alguma
característica definidora do poema, do
poeta ou do próprio ato criativo.
Numa conferência proferida na Universidade
Harvard em 1967, o poeta argentino Jorge
Luis Borges cita Santo Agostinho (354-430):
“O que é o tempo? Se não me perguntam
o que é o tempo, eu sei. Se me perguntam
o que é, então não sei”. Borges conclui:
“Sinto o mesmo em relação à poesia”.
Por aí dá para perceber que estamos
lidando com uma pergunta que
admite muitas respostas ― ou nenhuma.
Mas, obviamente, não faltam definições,
ou tentativas. Para o romântico alemão
Novalis (Friedrich von Hardenberg, 1772-1801),
"poesia é a arte de excitar a alma".
Na visão de nosso contemporâneo
americano-britânico Thomas Stearns Eliot,
o T.S. Eliot (1888-1948), "toda verdadeira
poesia é uma visão de mundo". Para o
romântico inglês Samuel Taylor Coleridge
(1772-1834), "poesia são as melhores palavras
em sua melhor ordem".
E podemos prosseguir com mais poetas.
E podemos prosseguir com mais poetas.
Para Murilo Mendes, “a poesia sopra onde quer”,
sugerindo que o poeta não tem controle absoluto
sobre ela. Jorge de Lima, épico e católico
extremado, afirma que a voz do poeta é a
própria fala de Deus. Fernando Pessoa,
via Ricardo Reis, assevera: “poesia é uma
música que se faz com ideias”.
Na opinião do arrebatado Maiakóvski,
Na opinião do arrebatado Maiakóvski,
ela é “uma viagem ao desconhecido” —
consideração que, na essência, é a mesma
de Oswald de Andrade. Para o poeta paulistano,
ela representa “a descoberta do que nunca vi”.
Por fim, o poeta concreto Augusto de Campos
diz que a poesia representa uma "resposta sensível
ao enigma do universo".
A lista poderia continuar indefinidamente.
Mas vamos ver como outros sete de nossos mais destacados poetas contemporâneos enxergam o fenômeno que envolve a poesia e o poeta. Com a palavra, Jorge de Lima (1893-1953),
Cassiano Ricardo (1895-1974), Carlos
Drummond de Andrade (1902-1987),
Mario Quintana (1906-1994), Francisco
Carvalho (1927-2013), Myriam Fraga (1937-) e Roberval Pereyr (1953-). Por último, mas não menos importante, depois de fechado o boletim, entrou na lista a polonesa Wislawa Szymborska.
•o•
JORGE DE LIMA
O alagoano Jorge de Lima escreveu
pelo menos dois sonetos nos quais
reflete sobre a poesia e o ofício do poeta.
Um deles está em Invenção de Orfeu (1952),
obra de fôlego camoniano, que é um poema
recheado de poemas. Ali Jorge de Lima
sugere: “Não procureis qualquer nexo naquilo /
que os poetas pronunciam acordados”.
O outro texto encontra-se em seu Livro de Sonetos (1949) e abre a miniantologia ao
lado. Nele, o autor aconselha: “Qualquer
poema é talvez essas metades /
essas indecisões das coisas vagas”.
Firma-se aí a ideia da poesia como
algo impreciso, que exige a intervenção
do leitor como concriador, agregando
sua experiência e suas emoções para
dar ao texto algum sentido.
•o•
CASSIANO RICARDO
Em “Poética”, texto transcrito ao lado, o paulista Cassiano Ricardo apresenta
outra forma de ver o fenômeno poético,
enfatizando seu lado terra a terra e livrando
o poeta de qualquer visão mítica ou mística.
Cassiano e Jorge de Lima são poetas da
mesma geração. No entanto, os poemas
dos dois mostrados aqui obedecem a
concepções bastante diferentes.
Jorge de Lima escreveu aquele soneto
num período de profunda religiosidade.
Cassiano, ao contrário, produziu seu
poema num momento em que
se encontrava envolvido com as vanguardas (concretistas e afins). Pessoalmente,
também, o autor de Vamos Caçar Papagaios
era muito mais inclinado para o mundo real,
e os acontecimentos políticos e sociais de
sua época. O contraste entre as “respostas”
desses dois poetas confirma a tese de que
toda boa definição é possível.
•o•
CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
Carlos Drummond de Andrade não poderia
ficar fora desta antologia. O mestre itabirano
também escreveu diversos poemas que
discutem a condição do poeta, da poesia e
do ato da criação poética. No poema
“Procura da Poesia” (de A Rosa do Povo, 1945),
ele opera em modo negativo: ocupa-se
principalmente em distinguir o que não é poesia.
"O que pensas e sentes, isso ainda não é poesia",
diz ele. Da mesma forma, ao recomendar "Não dramatizes, não invoques / não indagues",
propõe que a poesia também não reside nos procedimentos exagerados e lamuriosos.
No soneto “Conclusão” (ao lado), o poeta
persevera na lógica do não. “Os impactos
de amor não são poesia”. O belo? Também
não. Mas, enfaticamente, ele também afirma:
“Poesia são: coxa, fúria, cabala”. Entende,
portanto, que a poesia pode estar em
qualquer outra coisa, lugar ou situação.
Por isso mesmo, a poesia não tem conexão
obrigatória com aquilo que vulgarmente se
considera “poético”, como os derramamentos sentimentais.
Nesse aspecto, como em muitos outros,
Drummond concorda plenamente com seu
amigo e mestre, 16 anos mais velho, o pernambucanoManuel Bandeira. No livro
Itinerário de Pasárgada, Bandeira diz que
“a poesia está em tudo — tanto nos amores
como nos chinelos, tanto nas coisas lógicas
como nas disparatadas”.
•o•
MARIO QUINTANA
O gaúcho Mario Quintana também
escreveu muito sobre o tema, em prosa
e verso. No poema “Projeto de Prefácio”,
do livro Baú de Espantos (1986), ele faz pelo
menos duas afirmações que dão o que pensar.
Uma: “Sábias agudezas... refinamentos... / —
não!” Ou seja, a boa poesia não precisa
ser profunda, filosófica ou coisa do gênero.
Outra: ele considera a poesia tão
fundamental para a vida que relega à condição de “pobre chocalho de palavras” o poema que não ajude a pessoa (leitor? poeta?) a preparar-se para a morte. O mesmo Quintana, em seu livro Caderno H, oferece esta brevíssima definição:
O poema
essa estranha máscara
mais verdadeira do que a própria face...
Mais Quintana. Em “Os Poemas”, de
essa estranha máscara
mais verdadeira do que a própria face...
Mais Quintana. Em “Os Poemas”, de
Os Esconderijos do Tempo (1980), ao lado,
ele defende a ideia de que o “alimento” do
poema está no leitor. Afina-se, portanto,
com uma conhecida frase do poeta e ensaísta
mexicano Octavio Paz:
“Não há poema em si, mas em mim ou em ti”.
•o•
FRANCISCO CARVALHO
Inquietado pelas indagações sobre a natureza
da poesia, o poeta cearenseFrancisco Carvalho escreveu reiteradas tentativas de
resposta. Algumas delas estão aqui.
“Fazer o poema / é agarrar o agora /
para pô-lo inteiro / dentro da metáfora”
(“Engenharia do Poema”, de As Verdes
Léguas, 1979). Outra: “Fazer um poema / (...) /
]É ver as coisas como as coisas não são”
(“Dialética do Poema”, de O Silêncio é uma Figura Geométrica, 2002).
Em “Poder da Palavra”, texto transcrito
ao lado, ele trata da necessidade da
“palavra exata”. Basta uma, para fazer
a glória do poema, ou — caso falhe —
destruí-lo inapelavelmente. Em todos os
casos citados, o poeta preocupa-se em
especial com o ato da criação.
Isso lembra o que diz o poeta baiano
Affonso Manta: "O poema há de ser perfeito. /
Ou ele come o poeta".
•o•
MYRIAM FRAGA
O ato da criação — a gênese do poema —
é igualmente o foco de algumas páginas
da poeta baianaMyriam Fraga.
Num texto de sua excelente coletânea
Femina (1996), ela sustenta que “poesia
é coisa de mulheres”. Perfeito. Criar um
poema tem certamente algum parentesco
com o ato feminino de gestar e dar à luz,
trazer à vida esse ente de palavras, único
e emocionado. “Poesia é sempre assim: /
Uma alquimia de fetos, / Um lento porejar /
De venenos sob a pele”.
Em “Possessão”, outro poema do mesmo
livro (leia-o à direita), Myriam apresenta
mais uma intrigante metáfora para a origem
do poema. Agora é o mistério equestre mediante
o qual um orixá toma posse do corpo do poeta,
seu cavalo. Momento mágico de epifania, deslumbramento e criação.
•o•
ROBERVAL PEREYR
Poeta associado à geração da revista Hera,
de Feira de Santana-BA,Roberval Pereyr
também reflete sobre o fenômeno poético.
No poema “A Poesia”, ele trabalha com
uma feliz sucessão de metáforas para tentar caracterizar sua arte. Para ele, a poesia
é “um destino acima do homem”.
De olho nas ruas, ele acredita que a mesma
De olho nas ruas, ele acredita que a mesma
poesia “cresce / nos braços nus do mendigo,
/ na voz de Joan Baez, no silêncio das janelas
/ abertas”. E mais: “a poesia é o elo mais
definitivo / entre o que é vivo — e o que dorme...”
•o•
WISLAWA SZYMBORSKA
Eu já havia concluído este boletim quando
me lembrei de um texto da poeta polonesa
Wislawa Szymborska(1923-2012).
Trata-se do poema "Alguns Gostam
de Poesia", que resolvi incorporar à
seleção como um apêndice. Portanto,
são agora sete poetas brasileiros mais
uma polonesa.
O que se destaca no poema da vencedora
do Nobel de 1996 é o fato de ela percorrer
o caminho inverso de todos os poetas
citados antes neste boletim. Enquanto os
outros, de alguma forma, tentam definir a
poesia ou procuram sugerir algo que leve
o leitor a criar essa definição, Wislawa repete a pergunta: "mas o que é isso, poesia"?
E responde candidamente: não sei.
Desse modo, ela nos permite fechar este
boletim de maneira circular: voltando ao
ponto de partida. Retornamos a Jorge
Luis Borges e sua citação de Santo Agostinho.
•o•
Se você, leitor, prestar atenção, vai
encontrar uma miríade de outras definições
do que sejam poeta, poema, poesia.
Afinal, todo poeta que se preza sente-se
tentado, pelo menos uma vez, a tomar
como tema seu intrigante ofício.
Um abraço, e até a próxima,
Carlos Machado
Carlos Machado
•o•
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