«De tudo o que fica ou passa / subsiste um murmúrio, apenas.»
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Afinal, o que é poesia?
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Sete poetas brasileiros e uma polonesa
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Di Cavalcanti, Mulher em Vermelho (1945)
• Jorge de Lima
[VEREIS QUE O POEMA CRESCE INDEPENDENTE]
Vereis que o poema cresce independente e tirânico. Ó irmãos, banhistas, brisas, algas e peixes lívidos sem dentes, veleiros mortos, coisas imprecisas,
coisas neutras de aspecto suficiente a evocar afogados, Lúcias, Isas, Celidônias... Parai sombras e gentes! Que este poema é poema sem balizas.
Mas que venham de vós perplexidades entre as noites e os dias, entre as vagas e as pedras, entre o sonho e a verdade, entre...
Qualquer poema é talvez essas metades: essas indecisões das coisas vagas que isso tudo lhe nutre sangue e ventre.
De Livro de Sonetos (1949)
Di Cavalcanti, Cinco Moças de Guaratinguetá (1930)
• Cassiano Ricardo
POÉTICA
1 Que é a Poesia?
Uma ilha Cercada De palavras Por todos Os lados.
2 Que é o Poeta?
Um homem Que trabalha o poema Com o suor do seu rosto. Um homem Que tem fome Como qualquer outro Homem.
De Jeremias Sem-Chorar (1964)
Di Cavalcanti, Menina com Gato e Piano (1967)
• Carlos Drummond de Andrade
CONCLUSÃO
Os impactos de amor não são poesia (tentaram ser: aspiração noturna). A memória infantil e o outono pobre vazam no verso de nossa urna diurna.
Que é poesia, o belo? Não é poesia, e o que não é poesia não tem fala. Nem mistério em si nem velhos nomes poesia são: coxa, fúria, cabala.
Então desanimamos. Adeus, tudo! A mala pronta, o corpo desprendido, resta a alegria de estar só, e mudo.
De que se formam nossos poemas? Onde? Que sonho envenenado lhes responde, se o poeta é um ressentido, e o mais são nuvens? De Fazendeiro do Ar (1954)
Di Cavalcanti, Mulheres e Frutas (1962)
• Mario Quintana
PROJETO DE PREFÁCIO
Sábias agudezas... refinamentos... — não! Nada disso encontrarás aqui. Um poema não é para te distraíres como com essas imagens mutantes dos caleidoscópios. Um poema não é quando te deténs para apreciar um detalhe. Um poema não é quando também paras no fim, porque um verdadeiro poema continua sempre... Um poema que não te ajude a viver e não saiba preparar-te para a morte não tem sentido: é um pobre chocalho de palavras!De Baú de Espantos (1986)
OS POEMAS
Os poemas são pássaros que chegam não se sabe de onde e pousam no livro que lês. Quando fechas o livro, eles alçam vôo como de um alçapão. Eles não têm pouso nem porto alimentam-se um instante em cada par de mãos e partem. E olhas, então, essas tuas mãos vazias, no maravilhado espanto de saberes que o alimento deles já estava em ti... De Esconderijos do Tempo (1980)
Di Cavalcanti, Samba (1925)
• Francisco Carvalho
PODER DA PALAVRA
Uma palavra basta para acordar os demônios que se hospedam no poema. Uma palavra basta para estancar as veias desatadas do poema Uma palavra basta para ferir de morte o poema. De O Silêncio é Uma Figura Geométrica (2002)
Di Cavalcanti, As Baianas (1961)
• Myriam Fraga
POSSESSÃO
O poema me tocou Com sua graça, Com suas patas de pluma, Com seu hálito De brisa perfumada.
O poema fez de mim O seu cavalo; Um arrepio no dorso, Um calafrio, Uma dança de espelhos E de espadas.
De repente, sem aviso, O poema como um raio — Elegbá, pombajira! — Me tocou com sua graça, Aceso como chicote, Certeiro como pedrada.Salvador, abril, 1995 De Femina (1996)
Di Cavalcanti, Pescadores (1951)
• Roberval Pereyr
A POESIA
É um corte de luz no olho do cego, um destino acima do homem.
Tece e desfia o eterno, veludo na tez dos mortos — despertos. Encontro de primaveras, a poesia, enraizada nas lamas, cresce — nos braços nus do mendigo, na voz de Joan Baez, no silêncio das janelas abertas. E a fome que rompe as eras, que despe os deuses, que se enovela no ventre esconso da morte — e gera: antídoto nos venenos, revolta nas guerras, gritos no silêncio; esperas, esperas... A poesia: braço amorfo indomável no cerne da terra, na mão que se ergue desesperada: espada e forças na mesma espada.
Nela tudo imerge; dela tudo explode: a poesia é o elo mais definitivo entre o que é vivo — e o que dorme... De As Roupas do Nu (1981)
Di Cavalcanti, Mulheres Protestando (1941)
• Wislawa Szymborska
ALGUNS GOSTAM DE POESIA
Alguns — ou seja nem todos. Nem mesmo a maioria de todos, mas a minoria. Sem contar a escola onde é obrigatório e os próprios poetas seriam talvez uns dois em mil.
Gostam — mas também se gosta de canja de galinha, gosta-se de galanteios e da cor azul, gosta-se de um xale velho, gosta-se de fazer o que se tem vontade gosta-se de afagar um cão.
De poesia — mas o que é isso, poesia. Muita resposta vaga já foi dada a essa pergunta. Pois eu não sei e não sei e me agarro a isso como a uma tábua de salvação. De Poemas (2011)
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poesia.netwww.algumapoesia.com.br Carlos Machado, 2014
• Jorge de Lima
in Poesia Completa (volume único) Nova Aguilar, Rio de Janeiro, 1997 • Cassiano Ricardo in Jeremias Sem-Chorar José Olympio, Rio de Janeiro, 1964 • Carlos Drummond de Andrade in Poesia Completa Nova Aguilar, Rio de Janeiro, 2002
• Mario Quintana
Poesia Completa
Nova Aguilar, 1a. ed., 1a. reimpr., Rio de Janeiro, 2006
• Francisco Carvalho
In Memórias do Espantalho — Poemas Escolhidos Imprensa Universitária da UFC, Fortaleza, 20046
• Myriam Fraga
in Poesia Reunida Assembléia Leg. do Est. BA, Salvador, 2008 • Roberval Pereyr in 110 Poemas Quarteto Editora, Salvador, 2013 • Wislawa Szymborska in Poemas Tradução de Regina Przybycien Cia. das Letras, São Paulo, 2011_____________
* Hélio Pellegrino, "Boca da noite", in Minérios Domados (1997)
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Todas as imagens são pinturas do carioca Emiliano Augusto Cavalcanti
de Albuquerque Melo, o Di Cavalcanti (1897-1976)
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