quarta-feira, 16 de março de 2011

BRASIL. O ESTATUTO DA CIDADE COMENTADO (4)


BRASIL. O ESTATUTO DA CIDADE COMENTADO (4)
O Estatuto da Cidade comentado
(Lei Nº 10. 257 de 10 de julho de 2001)
Ana Maria Furbino Bretas Barros
Celso Santos Carvalho
Daniel Todtmann Montandon



Seção VI. Da concessão de uso especial para fins de moradia
Art. 15. (VETADO)
Art. 16. (VETADO)
Art. 17. (VETADO)
Art. 18. (VETADO)
Art. 19. (VETADO)
Art. 20. (VETADO)

Seção VII. Do direito de superfície

Art. 21. O proprietário urbano poderá conceder a outrem o direito de superfície do seu
terreno, por tempo determinado ou indeterminado, mediante escritura pública registrada no
cartório de registro de imóveis.

§ 1º O direito de superfície abrange o direito de utilizar o solo, o subsolo ou o espaço aéreo relativo ao terreno, na forma estabelecida no contrato respectivo, atendida a legislação urbanística.

§ 2º A concessão do direito de superfície poderá ser gratuita ou onerosa.

§ 3º O superficiário responderá integralmente pelos encargos e tributos que incidirem sobre apropriedade superficiária, arcando, ainda, proporcionalmente à sua parcela de ocupação efetiva, com os encargos e tributos sobre a área objeto da concessão do direito de superfície, salvo

§ 4º O direito de superfície pode ser transferido a terceiros, obedecidos os termos do contrato respectivo.

§ 5º Por morte do superficiário, os seus direitos transmitem-se a seus herdeiros.

Art. 22. Em caso de alienação do terreno, ou do direito de superfície, o superficiário e o proprietário, respectivamente, terão direito de preferência, em igualdade de condições à oferta de terceiros.

Art. 23. Extingue-se o direito de superfície:

I – pelo advento do termo;

II – pelo descumprimento das obrigações contratuais assumidas pelo superficiário.

Art. 24. Extinto o direito de superfície, o proprietário recuperará o pleno domínio do terreno, bem como das acessões e benfeitorias introduzidas no imóvel, independentemente de indenização, se as partes não houverem estipulado o contrário no respectivo contrato.

§ 1º Antes do termo final do contrato, extinguir-se-á o direito de superfície se o superficiário
der ao terreno destinação diversa daquela para a qual for concedida.

§ 2º A extinção do direito de superfície será averbada no cartório de registro de imóveis.


O direito de superfície foi uma inovação no direito brasileiro trazido pelo Estatuto da Cidade. Até a promulgação desta lei3, no Brasil vigorava a regra segundo a qual tudo que se constrói ou planta, ou seja, todas as acessões ao solo, presumem-se pertencentes ao proprietário do solo. Com o direito de superfície, cria-se uma separação entre a propriedade do terreno e o direito de usar a superfície deste terreno. É um instrumento interessante para regularização fundiária de ocupações de interesse social de imóveis públicos. Por meio do contrato que institui o direito de superfície, o Poder Público mantém a propriedade do terreno público, mas pode conceder ao morador o direito de construir sua residência, vendê-la sob certas condições ou transmitila por herança, dando toda a garantia para que ele exerça seu direito de moradia. Mas como mantém a propriedade do terreno, pode também impedir que este imóvel seja adquirido por alguém que lhe dê uma destinação diferente daquela para a qual o direito foi instituído (moradia de população de baixa renda, por exemplo), evitando a expulsão dos moradores por algum segmento social com maior poder econômico.

Seção VIII. Do direito de preempção

Art. 25. O direito de preempção confere ao Poder Público municipal preferência para
aquisição de imóvel urbano objeto de alienação onerosa entre particulares.

§ 1º Lei municipal, baseada no plano diretor, delimitará as áreas em que incidirá o direito de
preempção e fixará prazo de vigência, não superior a cinco anos, renovável a partir de um ano após o decurso do prazo inicial de vigência.

§ 2º O direito de preempção fica assegurado durante o prazo de vigência fixado na forma do § 1º,
independentemente do número de alienações referentes ao mesmo imóvel.

Art. 26. O direito de preempção será exercido sempre que o Poder Público necessitar de áreas para:

I – regularização fundiária;

II – execução de programas e projetos habitacionais de interesse social;

III – constituição de reserva fundiária;

IV – ordenamento e direcionamento da expansão urbana;

V – implantação de equipamentos urbanos e comunitários;

VI – criação de espaços públicos de lazer e áreas verdes;

VII – criação de unidades de conservação ou proteção de outras áreas de interesse ambiental;

VIII – proteção de áreas de interesse histórico, cultural ou paisagístico;

IX – (VETADO)

Parágrafo único. A lei municipal prevista no § 1º do art. 25 desta Lei deverá enquadrar cada área em que incidirá o direito de preempção em uma ou mais das finalidades enumeradas por este artigo.
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Art. 27. O proprietário deverá notificar sua intenção de alienar o imóvel, para que o Município, no prazo máximo de trinta dias, manifeste por escrito seu interesse em comprá-lo.

§ 1º À notificação mencionada no caput será anexada proposta de compra assinada por terceiro interessado na aquisição do imóvel, da qual constarão preço, condições de pagamento e prazo de validade.

§ 2º O Município fará publicar, em órgão oficial e em pelo menos um jornal local ou regional de grande circulação, edital de aviso da notificação recebida nos termos do caput e da intenção de aquisição do imóvel nas condições da proposta apresentada.

§ 3º Transcorrido o prazo mencionado no caput sem manifestação, fica o proprietário autorizado a
realizar a alienação para terceiros, nas condições da proposta apresentada.

§ 4º Concretizada a venda a terceiro, o proprietário fica obrigado a apresentar ao Município, no prazo de trinta dias, cópia do instrumento público de alienação do imóvel.

§ 5º A alienação processada em condições diversas da proposta apresentada é nula de pleno direito.

§ 6º Ocorrida a hipótese prevista no § 5º, o Município poderá adquirir o imóvel pelo valor da base de cálculo do IPTU ou pelo valor indicado na proposta apresentada, se este for inferior àquele.

O direito de preempção garante ao Poder Público Municipal a preferência para adquirir imóveis que estejam sendo alienados4. Por meio deste instituto, o proprietário que deseja vender seu imóvel deverá primeiramente comunicar ao poder público que, se desejar, poderá comprar o bem nas condições apresentadas pela oferta feita por terceiro.

A utilização desse instrumento permite prover o Município de terra urbana, que deverá ser destinada para os fins determinados no Artigo 26.

Para aplicação do instrumento, é necessário haver Plano Diretor no Município e lei específica que delimite as áreas que serão objeto do direito de preempção e indique a finalidade que será dada a cada uma delas após a aquisição pelo poder público.

A lei municipal que dispuser sobre o direito de preempção em uma área deve também definir o prazo para vigência desse direito. Durante esse prazo, qualquer alienação a título oneroso de imóveis deve ser precedida de notificação ao Município, para dar oportunidade ao poder público de exercer seu direito de preferência.

No exercício de seu direito de preferência, o Município deve observar alguns cuidados: obrigatoriamente, dar a destinação ao imóvel especificada na lei e somente comprar o bem se o preço deste for compatível com o de mercado. Se não observar essas obrigações, o prefeito e os agentes envolvidos no negócio celebrado e na utilização do bem após a compra responderão por improbidade administrativa, nos termos do artigo 52, III e VIII do Estatuto da Cidade.


Seção IX. Da outorga onerosa do direito de construir

Art. 28. O plano diretor poderá fixar áreas nas quais o direito de construir poderá ser exercido acima do coeficiente de aproveitamento básico adotado, mediante contrapartida a ser prestada pelo beneficiário.

§ 1º Para os efeitos desta Lei, coeficiente de aproveitamento é a relação entre a área edificável e a área do terreno.

§ 2º O plano diretor poderá fixar coeficiente de aproveitamento básico único para toda a zona urbana ou diferenciado para áreas específicas dentro da zona urbana.

§ 3º O plano diretor definirá os limites máximos a serem atingidos pelos coeficientes de aproveitamento, considerando a proporcionalidade entre a infraestrutura existente e o aumento de densidade esperado em cada área.

Art. 29. O plano diretor poderá fixar áreas nas quais poderá ser permitida alteração de uso do solo,
mediante contrapartida a ser prestada pelo beneficiário.

Art. 30. Lei municipal específica estabelecerá as condições a serem observadas para a outorga onerosa do direito de construir e de alteração de uso, determinando:

I – a fórmula de cálculo para a cobrança;

II – os casos passíveis de isenção do pagamento da outorga;

III – a contrapartida do beneficiário.

Art. 31. Os recursos auferidos com a adoção da outorga onerosa do direito de construir e de alteração de uso serão aplicados com as finalidades previstas nos incisos I a IX do art. 26 desta Lei.

A outorga onerosa do direito de construir é um instrumento voltado à indução do desenvolvimento urbano, permitindo, por exemplo, que o Poder Público incentive o adensamento de determinadas áreas da cidade em detrimento de outras, como forma de promover o melhor aproveitamento da infraestrutura  instalada, além de possibilitar a recuperação para a coletividade da valorização imobiliária gerada por ações públicas. O instrumento ainda permite, indiretamente, a arrecadação de recursos pelo governo local.

As diretrizes relacionadas à “justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do processo de urbanização” e à “recuperação dos investimentos do Poder Público de que tenha resultado a valorização
de imóveis urbanos” (incisos IX e XI do artigo 4º), somadas à separação do direito de construir do direito de propriedade e ao cumprimento da função social da propriedade, sustentam o argumento da legitimidade de o Poder Público recuperar para a coletividade o efeito da valorização imobiliária proporcionada por investimentos públicos.

O mecanismo de funcionamento da outorga onerosa remete ao princípio do Solo Criado, introduzido no Brasil na década de 1970, que nas palavras de José Afonso da Silva pode ser compreendido como “toda edificação acima do coeficiente único, quer envolva a ocupação do espaço aéreo, quer do subsolo”. Simplificadamente, aquilo que for construído num terreno acima da área construída proporcional à área deste terreno, é considerado Solo Criado e essa criação de solo requer uma compensação pelo ônus gerado na infraestrutura.

Vê-se, pois, que o conceito de Solo Criado pressupõe que o direito de propriedade engloba o direito de construir, mas este último é limitado pelo coeficiente único ou básico de aproveitamento. Ou seja, o direito do proprietário de edificar está restrito ao coeficiente único ou básico definido no Plano Diretor.

Qualquer edificação acima desse coeficiente somente será permitida em áreas predefinidas e mediante
uma contrapartida paga ao Poder Público municipal. Para aplicar a outorga do direito de construir, é necessário que o Município, por meio de seu Plano Diretor, defina o coeficiente básico de aproveitamento para todo o seu território, que não precisa ser necessariamente uniforme em todas as áreas, podendo ser diferenciado por zonas. Além disso, o Plano Diretor deve identificar as áreas onde o direito de construir poderá ser exercido além do coeficiente básico e quais serão os máximos coeficientes de aproveitamento admissíveis.

O estabelecimento do coeficiente máximo de aproveitamento deve considerar a capacidade de suporte da infraestrutura e o aumento da densidade. Para evitar a sobrecarga na infraestrutura, o Poder Público pode estabelecer limites para a área construída adicional e ainda diferenciar este limite por tipo de uso (por exemplo, uso residencial, serviços ou comércio).

A concessão de potencial adicional de construção pelo governo local também possibilita a regulação do mercado de terras. Sabe-se que, havendo grandes diferenciações no potencial construtivo dos imóveis e não sendo prevista qualquer cobrança pela utilização desse potencial, há a valorização de determinadas áreas em detrimento de outras. Esse instrumento, portanto, pode influenciar no preço da terra, fazendo com que determinados imóveis passem a ter melhor aproveitamento econômico.
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