sexta-feira, 16 de julho de 2010

A ALMA NOTURNA DA CIDADE (10.2 - FINAL) - MORADORES DE RUA

A ALMA NOTURNA DA CIDADE (10.2 - FINAL) - MORADORES DE RUA


(CONTINUAÇÃO DA ENTREVISTA COM TOMÁS CHIAVERINI)


Quando você dormiu no albergue, te pediram documento?

Tomás Chiaverini - Quando fui, estava sem nada. Disse que tinha perdido. Não existe muito controle sobre isso. Uma coisa interessante é que dei outro nome quando entrei porque tive medo que um técnico do Capes me reconhecesse. Antes, tinha passado uma noite acompanhando os trabalhos dele, e ele sabia que eu fazia esse livro. Foi a mesma pessoa que me recolheu entre os moradores de rua. Ele não me reconheceu.

iG - Como era o lugar?

Tomás Chiaverini - Era razoável. Entre os albergues, tem muita discrepância. Muitos são geridos por ONGs e alguns são altamente confortáveis, com cama bem arrumada, banheiro limpo. Eu fiquei num quarto com oito beliches, cama limpa para dormir e um mínimo de higiene. Durante o trabalho, visitei mais de dez. E dormi, disfarçado, em um.

iG - E como foi dormir na rua de fato?

Tomás Chiaverini - É muito tenso. Não preguei o olho. Todo mundo que mora na rua tem histórico de agressão, seja pela polícia, seja pelo boyzinho que quer fazer graça ou mesmo com os colegas.

iG - A pesquisa aponta que as brigas entre eles são as formas mais comuns de violência nas ruas. Por que isso acontece?

Tomás Chiaverini - Geralmente por bebida ou por drogas. O que acontece nesse espaços, e isso a pesquisa não consegue mostrar, é a forma como o tráfico usa a população de rua como disfarce. Frequentei o Glicério quase diariamente durante dois meses. Mas durante o dia. E entrevistei todo mundo que morava lá. Quando ganhei confiança, resolvi dormir no mesmo lugar. Mas à noite não vi aquelas pessoas que eu conhecia. Vi só o tráfico, gente que ia à noite vender crack naquele lugar. Isso acontece porque as pessoas não chegam perto de moradores de rua quando veem todos juntos, com aquelas fogueiras queimando. Ninguém passa lá. A sociedade vira o olho. um espaço ideal para quem quer vender ou consumir o crack. Quem mora ali dorme antes da meia-noite. Toma sua cachaça e dorme. Mas a uns 30 metros deles fica só quem vende o crack. Esses não dormem. Então você vê muita discussão entre eles, muita gente querendo roubar quem morava ali. A ameaça estava o tempo todo por perto. Me orientavam para guardar a carteira na cueca, dormir com o tênis debaixo da cabeça. Sempre tem um "noia" rondando, querendo roubar a esmola que você conseguiu.

iG - Sentiu medo da polícia?

Tomás Chiaverini - Embora haja suspeitas de assassinatos cometidos por policiais contra moradores de rua, como naquele caso em 2004, só vi policiais passando perto dos moradores sem muita aproximação. Eram como os outros pedestres: eles não te olham. Não vão parar uma viatura pra te revistar.

iG - E a Guarda Civil?

Tomás Chiaverini - O problema da Guarda Civil são os rapas. Isso eles faziam. Chegam com caminhão de lixo, pegam tudo e colocam no caminhão. Não vi acontecer, mas ouvi muitos relatos.

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