segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

FCCV - NÃO DEIXEM JOEL MORRER OUTRA VEZ

FCCV - Forum Comunitário de Combate à Violência
Salvador - Bahia - Brasil

Leitura de fatos violentos publicados na mídia
Ano 10, nº 42, 30/11/10
NÃO DEIXEM JOEL MORRER OUTRA VEZ




Não é mais ditadura, mas ainda é tempo de escutar o instigante brando que diz: “quem cala sobre teu corpo consente na tua morte”. Agora é garantido o direito à reivindicação e ao protesto, diferente da era de fechamento político quando o estudante Edson Luís foi morto no Rio de Janeiro. Em sua homenagem, Milton Nascimento e Ronaldo Bastos fizeram a música Menino que nessa leitura é lembrada.



Nos últimos tempos assiste-se a muitas manifestações em espaços periféricos das grandes cidades brasileiras que reclamam a vida ceifada de seus meninos cujas mortes são também “talhadas a ferro e fogo nas profundezas do corte que a bala riscou no peito”. Nestas ocasiões, muitos manifestantes parecem aceitar o chamamento feito nos idos de 1968 em homenagem a Edson Luís, e gritam como se concordassem com o que diz a música: “quem grita vive contigo”.

Ontem (23 de novembro) foi sepultado o menino Joel da Conceição Castro. Ele e o pai se preparavam para dormir quando “a bala riscou no peito” depois de ter penetrado pela janela na madrugada do dia 22. Na manhã do mesmo dia, os parentes e vizinhos realizaram protestos e interditaram uma rua e na tarde foram para frente da delegacia que atende ao bairro gritando: “Polícia é para ladrão, não para criança. Queremos justiça. Quem matou foi a polícia”.

O tiro e o grito deram páginas nacionais que, como relógio da música, bateram “avisando a hora que a raiva traçou no tempo”. E os jornais do dia seguinte se referiram ao afastamento dos nove policiais envolvidos na fúnebre ação ao mesmo tempo em que informam que, na hora da ocorrência, o pai pediu ajuda à polícia, mas não foi atendido.

Joel era um garoto pobre, negro, morador de um bairro popular e como todos os meninos de sua cepa podia ser visto como parte de um submundo. Mas, nos seus parcos anos ele mostrou ao mundo “o brilho do seu cabelo”, da sua cor, do seu sonho de ser mestre. Ele virou imagem de publicidade institucional e disse em seus minutos de glória: “Capoeira nasceu na Bahia. Tem angola e regional. O mestre é meu pai. Rasteira, aum, armada. Meu pai ensina até os gringos a cantar. Quando eu crescer eu quero ser mestre de capoeira”.

Como se pode notar era um menino e talvez nem soubesse que não se calava sobre os corpos dos que tombam, como sugere a música aqui lembrada. Tantos pobres, tantos negros, tantos sonhos de ser mestre na arte de capoeira. Ele estava contente, ia até se apresentar fora do País. Mas vivia ali, naquele lugar que porta senões impublicáveis pelos catálogos e anúncios oficiais. Dele ficam imagens extremas. De um lado, um garoto que sorri para as câmeras para falar de uma arte do povo, de raiz; de outro lado, as câmeras mostram a comoção indignada pela sua falta.



A questão agora é o valor atribuído ao grito de justiça que parte dos estratos mais pobres e desprotegidos da sociedade. É preciso manter a força no tempo depois que a raiva do momento passar. Há muito que se inspirar no desejo de futuro de Joel da Conceição Castro que, não tendo podido ser mestre da capoeira, seja símbolo da conquista de luta por justiça contra mortes de crianças pobres no Brasil.

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