terça-feira, 30 de junho de 2015

POESIA.NET - S PAULO - MANUEL BANDEIRA


Número 335 - Ano 13
São Paulo, quarta-feira, 1 de julho de 2015
poesia.net header


«Deixei em vagos espelhos / a face múltipla e vária, /

mas a que ninguém conhece / essa é a face necessária.»

(Marly de Oliveira)


Manuel Bandeira





"Traduções" modernistas
Manuel Bandeira

Vicente do Rego Monteiro - Natureza morta, 1969
Vicente do Rego Monteiro, pernambucano, Natureza morta (1969)



1. Manuel Maria Barbosa du Bocage 


A ANÁLIA


Se é doce no recente, ameno estio
Ver toucar-se a manhã de etéreas flores,
E, lambendo as areias os verdores,
Mole e queixoso deslizar-se o rio;

Se é doce no inocente desafio
Ouvirem-se os voláteis amadores,
Seus versos modulando e seus ardores
De entre os aromas de pomar sombrio;

Se é doce mares, céus, ver anilados
Pela quadra gentil, de Amor querida,
Que esperta os corações, floreia os prados,

Mais doce é ver-te de meus ais vencida,
Dar-me em teus brandos olhos desmaiados
Morte, morte de amor, melhor que a vida!


         Manuel Maria Barbosa du Bocage




[DOÇURA DE, NO ESTIO RECENTE]

Doçura de, no estio recente,
Ver a manhã toucar-se de flores,
E o rio
          mole
                  queixoso
Deslizar, lambendo areias e verduras;
Doçura de ouvir as aves
Em desafio de amores
                      cantos
                      risadas
Na ramagem do pomar sombrio.


         Manuel Bandeira


Vicente do Rego Monteiro - Gato e tartaruga - 1925
Vicente do Rego Monteiro, Gato e tartaruga (1925)



2. Joaquim Manuel de Macedo 



[MULHER, IRMÃ, ESCUTA-ME]

Mulher, Irmã, escuta-me: não ames.
Quando a teus pés um homem terno e curso
Jurar amor, chorar pranto de sangue,
Não creias, não, mulher: ele te engana!
As lágrimas são galas da mentira
E o juramento manto da perfídia.

         Joaquim Manuel de Macedo



[TERESA, SE ALGUM SUJEITO]

Teresa, se algum sujeito bancar o sentimental em cima de você
E te jurar uma paixão do tamanho de um bonde
Se ele chorar
Se ele se ajoelhar
Se ele se rasgar todo
Não acredita não Teresa
É lágrima de cinema
É tapeação
Mentira
CAI FORA.

         Manuel Bandeira


Vicente do Rego Monteiro - Adão e Eva no Paraíso 1959
Vicente do Rego Monteiro, Adão e Eva no Paraíso (1959)




3. Castro Alves 



O "ADEUS" DE TERESA
 A vez primeira que eu fitei Teresa,
Como as plantas que arrasta a correnteza,
A valsa nos levou nos giros seus...
E amamos juntos e depois na sala
"Adeus" eu disse-lhe a tremer co'a fala...

E ela, corando, murmurou-me: "adeus."

Uma noite... entreabriu-se um reposteiro. . .
E da alcova saía um cavaleiro
Inda beijando uma mulher sem véus...
Era eu... Era a pálida Teresa!
"Adeus" lhe disse conservando-a presa...

E ela entre beijos murmurou-me: "adeus!"

Passaram tempos... sec'los de delírio
Prazeres divinais... gozos do Empíreo...
... Mas um dia volvi aos lares meus.
Partindo eu disse — "Voltarei! descansa!... "
Ela, chorando mais que uma criança,

Ela em soluços murmurou-me: "adeus!"

Quando voltei era o palácio em festa!...
E a voz d'Ela e de um homem lá na orquestra
Preenchiam de amor o azul dos céus.
Entrei! Ela me olhou branca... surpresa!
Foi a última vez que eu vi Teresa!...

E ela arquejando murmurou-me: "adeus!".


         Castro Alves, in Espumas Flutuantes (1870)


TERESA
 A primeira vez que vi Teresa
Achei que ela tinha pernas estúpidas
Achei também que a cara parecia uma perna

Quando vi Teresa de novo
Achei que os olhos eram muito mais velhos que o resto do corpo
(Os olhos nasceram e ficaram dez anos esperando que o resto do corpo nascesse)

Da terceira vez não vi mais nada
Os céus se misturaram com a terra
E o espírito de Deus voltou a se mover sobre a face das águas.
        

Manuel Bandeira


Vicente do Rego Monteiro - Artesão
Vicente do Rego Monteiro, Artesão 


poesia.netwww.algumapoesia.com.br
Carlos Machado, 2015



Amigas e amigos,


Uma das facetas dos poetas modernistas 

brasileiros foi a criação de paródias — 
quase sempre em tom jocoso — de textos
 do romantismo, do  parnasianismo e também
 de obras mais antigas. Já tive a oportunidade
 de mostrar aqui, no boletim n. 174, de 2006, 
uma pequena amostra de paródias e glosas 
da "Canção do Exílio", de Gonçalves Dias.


Nos primeiros modernistas, a paródia era 

mais que um hábito: chegava a ser quase um vício.
 Oswald de Andrade e Cassiano Ricardo, cada um à
 sua maneira, imitavam documentos do Brasil colonial.
 Mário de Andrade, falando de poesia, escreveu um 
ensaio chamado A Escrava que não é Isaura – uma 
referência ao romance A Escrava Isaura (1875), do 
mineiro Bernardo Guimarães.


Neste boletim, contudo, o parodista destacado é 

o pernambucano Manuel Bandeira (1886-1968). 
Aqui aparecem três de suas paródias. Trata-se, 
na verdade, de exercícios que o próprio Bandeira
 chamava de "traduções para moderno". 

•o•


A primeira é sobre o soneto "A Anália"
 ("Se é doce no recente, ameno estio"), do autor
 neoclássico português Manuel Maria Barbosa du Bocage
 (1765-1805). Em seu livro de memórias Itinerário de Pasárgada 
(1966), Bandeira transcreve a parte de sua "tradução" relativa 
aos dois quartetos desse poema.


Na essência, o procedimento de Bandeira, nesse caso, consiste

 em  eliminar excessos de época e distribuir os versos na página
 de maneira mais livre.

O outro exercício bandeiriano é um poema irônico, construído
 a partir de uma sextilha escrita pelo médico e escritor romântico
 Joaquim Manuel de Macedo (1820-1882), autor do célebre romance
 A Moreninha (1844). O texto teria sido dedicado a uma irmã de Macedo.


Nessa nova "tradução", escreve Bandeira, "eu queria mesmo brincar 

falando cafajeste, e a coisa foi apresentada como ‘tradução para caçanje’ 
". Caçanje, aqui, conforme o dicionário, tem o sentido de "português errado,
 mal falado". É, de fato, a linguagem das ruas: mistura você com tu, 
dispensa pontuação, mas tem o sabor de fala legítima e verdadeira. 
O próprio Bandeira, no parágrafo seguinte, classifica o texto como 
poema-piada.  
•o•

A última das "traduções" de Bandeira mostradas aqui
 é uma versão para o poema romântico “O Adeus de Teresa”,
 do poeta baiano Antônio de Castro Alves (1847-1871). No original, 
o autor descreve três momentos de um caso de amor com a moça
 do título. Na "tradução para moderno", Bandeira também trabalha
 com três momentos. Mas a visão, em vez de apaixonada, passeia 
pelo absurdo surrealista. Enquanto a Teresa original era pálida e
 oferecia "prazeres divinais", a modernista, à primeira vista, "tinha
 pernas estúpidas" e uma cara que "parecia uma perna".


Na segunda vez, permanece a visão desconjuntada da musa. 

E na última, o sujeito lírico não enxerga mais nada e sofre uma
 espécie de cataclismo sensorial. A solução se dá com uma paródia 
(mais uma!) bíblica. Como descreve o Gênesis, o espírito de Deus 
"voltou a se mover sobre a face das águas". Pode-se pensar
 (é uma hipótese) que o narrador conheceu biblicamente a 
desconcertante — e, tanto quanto a de Castro Alves, deslumbrante
 — Teresa e experimentou toda essa perturbação cósmica.

Um abraço, e até a próxima.


Carlos Machado


Manuel Bandeira
* "Traduções" de Bocage e Joaquim Manuel de Macedo
  In Itinerário de Pasárgada
  Nova Fronteira/INL, Rio de Janeiro/Brasília, 3a. ed., 1984
* "Tradução" de Castro Alves
  de Libertinagem (1930)
  In Estrela da Vida Inteira  Poesias Reunidas
  
José Olympio, 6a. ed., Rio de Janeiro, 1976

domingo, 28 de junho de 2015

NOSSO BLOGUE VISTO NA ALEMANHA E NO MUNDO

NOSSO BLOGUE VISTO NA ALEMANHA

E NO MUNDO,

SEMANA DE 21/06/2015, 18h A  28/06/2015, 17h


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SÃO JOÃO ABRAÇA CIDADE E CAMPO

SÃO JOÃO ABRAÇA CIDADE E  CAMPO


Os festejos juninos (Santo Antonio, dia 12, São João, 24 e São Pedro, 29 ... de junho), principalmente no Nordeste brasileiro, reafirmam uma tradição camponesa de comemoração de boas colheitas, fartura de grãos e de dinheiro ... e de tudo que se segue a exemplo dos encontros amorosos no namoro e no casamento. Mas não apenas isso: esses alegres e gastronômicos festejos marcam e co-memoram o momento em que as culturas camponesas e urbanas se encontram num festival de símbolos e de boas recordações.

sexta-feira, 19 de junho de 2015

VIRADA CULTURAL EM S PAULO CLARO - ONDE MAIS?


VIRADA CULTURAL
ONDE?


ORA ORA SÓ PODE SER EM SÃO PAULO


quinta-feira, 18 de junho de 2015

ADRIANE GARCIA - POESIA.NET -- S PAULO



Número 334 - Ano 13
São Paulo, quarta-feira, 17 de junho de 2015
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«Vamos todos dançar / 
entre o bonde e a árvore?»



Adriane Garcia 
Aqui não se vende algodão-doce
Adriane Garcia

Edgar Degas - Bailarina sentada 1879-80
Edgar Degas (1834-1917), francês, Bailarina sentada (1879-80)




ESCULTURAS VIVAS

Repare nas mães
Tendo ao colo filhos dormindo:
Pietás de carne e osso
Carregando destinos.




TROPEÇO

Saia daqui se gosta
De algodão-doce
Glicose
Transformada em poesia
Etérea, nuvenzinha de cor
Na mão do anjinho
Que caminha
E não vê a pedra.

Degas - Aula de dança no Opéra 1872
Degas, Aula de dança no Opéra (1872)




CORPO E ALMA

Carrego meu corpo
E ele me carrega
O primeiro ato pesa
O segundo dói

Somos nós dois atrelados
Bolas de ferro e correntes mútuas
Nos calcanhares magros, de hematomas
Nos pés lançados no quente asfalto
Cheios de crenças e de bolhas.



DO MIRANTE

Metade do que tu és
É mentira
Da outra metade, revê
Do que são falas de tua mãe
Do que são ralhos de teu pai
Se és de mágoas
Já não és inteiro
Mergulha no abismo
E te encontra
E sobe como um ressurreto
E vem ver comigo daqui de cima.



Degas - Aula de dança 1873-75
Degas, Aula de dança (1873-75)
TRÊS OLHARES
Os cães têm todos os mesmos olhos
Pedidos vítreos

Os macacos têm todos os mesmos olhos
Lamentos encapsulados

Os humanos têm todos os olhos:
Disfarces da cegueira.




DE CROCODILO
Olho a vida:
Um crocodilo inerte
Tomando sol

... e me olhando

Eu, inerte
Nós dois
Abrindo a boca
E lacrimejando.

Degas - Bailarinas 1884-85
Degas, Bailarinas (1884-85)



... SE FICAR O BICHO COME


Era um bezerro fracote
Por sorte, à fortuna da roda
Deixou de ser bife à mesa

Cresceu
Virou boi de piranha.



FISIONOMIAS

O metrô vai
Carregado de rostos

Este tem uma bolsa
E uma conta para pagar

Aquele tem uma lembrança
Não quer lembrar

Mas o metrô é tão contínuo
Que embala...

E em cada curva
Em cada linha de expressão
Uma história que é a mesma
Para todos

Vá lá, admita,
Somos apegados a detalhes
E é só isso que faz
Rostos diferentes

Aquele outro, tão jovem
Sorri:
Tem um bilhete
E uma inocência.


Degas - Aula de dança 1871
Degas, Aula de dança (1871)
BOIADA

Milhares nos carros de boi
Puxando do horário comercial pra casa
Da casa pro horário comercial
Dormem em pé, cansados,
Ruminam a grama verde que adubam
E não comem

É gado de pouco sonho
De pouca ração
De muito corte. 



VIDA

   Carro à deriva:
A enchente carrega
Com gente dentro.




SOLIDÃO


O homem
Procura
O outro
Homem
Só.




Amigas e amigos,




Para este boletineiro de longa data — que, por obrigação devota, está sempre à cata de novos poetas —, é sempre uma alegria encontrar um escritor como a mineira Adriane Garcia. Nascida em Belo Horizonte (1973), Adriane é historiadora, funcionária pública, arte-educadora e atriz. Escreve poesia, infantojuvenis, contos e textos teatrais.


Em 2013, venceu o Prêmio Nacional de Literatura do Paraná com o livro de poemas Fábulas para Adulto Perder o Sono. No ano seguinte, publicou outra coletânea, O Nome do Mundo. Todos os poemas ao lado foram extraídos desse último volume.


Antes de qualquer outra consideração sobre o trabalho de Adriane Garcia, é importante destacar que se trata de uma poeta dotada de aguda consciência da finitude das coisas e de nós mesmos. Seu lirismo é duro, crespo, eriçado — como a vida. Não é à toa que, no poema “Tropeço”, ela literalmente afugenta o leitor que chega com a expectativa de versos açucarados: “Saia daqui se gosta / De algodão-doce / Glicose / Transformada em poesia / Etérea”.


Numa coletânea que reúne cerca de 90 poemas, o tom dominante não escorrega em nenhum momento no idílio, no autoengano, na ideia de que belas palavras podem ser capazes de alterar a natureza da realidade.


Os poemas, quase sem exceção, são curtos e não excedem a extensão de uma página. Muitos revelam-se menos que curtos: são mínimos — e dizem tudo com apenas dois ou três versos. Um exemplo é a definição de “Vida”: “Carro à deriva: / A enchente carrega / Com gente dentro”. Em idêntico clima situa-se a pessoa que fala em “Corpo e alma”. Com essas duas partes de si mesma atadas a “bolas e ferro e correntes”, ela segue com sobre o asfalto quente, com os pés “cheios de crenças e bolhas”.


É forte na poesia de Adriane Garcia a percepção do acaso inventando mudanças de rumo na vida das pessoas, não raro produzindo tragédias. Há mesmo uma ironia melancólica na história do “bezerro fracote” de “... Se Ficar o Bicho Come”. É o animal que, por ser frágil, foi poupado de ser transformado em “bife à mesa”. Mas isso não autoriza grandes esperanças de vida tranquila para o novilho: “Cresceu / Virou boi de piranha”.


A metáfora da vida de gado é recorrente e aparece também em “Boiada”: “Milhares nos carros de boi / Puxando do horário comercial pra casa / Da casa pro horário comercial”. O clima é o mesmo, em “Fisionomias”. No metrô, os rostos parecem diferentes apenas porque “somos apegados a detalhes”. Mas na verdade são todos iguais: todos carregando o fardo da existência. E é para suportar esse peso que o ser humano procura outros semelhantes, fugindo de sua “Solidão”: “Só / O homem / Procura / O outro / Homem / Só”.
Um abraço, e até a próxima.



•o•


LANÇAMENTO 17/06


Tesoura Cega
• Carlos Machado
Tesoura Cega



Convido os amigos de São Paulo para o lançamento de meu novo livro de poesia, Tesoura Cega, publicado pela Dobra Editorial.

Quando:
Quarta-feira, 17/06/2015,

a partir das 18h30

Onde:
Casa das Rosas
Espaço Haroldo de Campos de Poesia
Av. Paulista, 37 - Bela Vista
São Paulo - SP




domingo, 14 de junho de 2015

NOSSO BLOGUE VISTO NO BRASIL E NO MUNDO

SEMANA DE 07/06/2015 20h A  14/06/2015 19h

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