SONATA DA ÚLTIMA CIDADE - O ROMANCE DE SÃO PAULO
Renato Moderneli. Editora Best Seller, 607 p., 1989
Reler São Paulo
Ethel Leon
Num navio, entre imigrantes, uma
cartomante revela a Umberto Gaudio que ele é personagem de um livro, esse mesmo
que estamos lendo. E o arbítrio sempre explícito do autor faz o personagem
casar-se com a filha de um padeiro português com uma escrava alforriada, virar
motorneiro dos recém-instalados bondes, ter como grande amigo um líder
anarquista, travar relações com um barão do café... À história dos Carlini
(Umberto muda de nome depois de jogar na cara do autor o erro na escolha de
Gaudio para um napolitano) se entrelaça a história de São Paulo do fim do século XIX até meados dos anos 80.
Essa face de new journalism, a mescla de ficção com documental,
não faz o livro abdicar de ser um romance, onde um de seus estatutos clássicos,
a onisciência narrativa, é recusada como recurso da naturalidade, sempre tão
perigosa no terreno da história e da arte. O "Autor", personagem
oculto, se disfarça de astrólogo de nome Martorell (qualquer semelhança com
Modernell...) e chega a encarnar um jornalista que acompanha a Coluna Prestes e
contracena com Carmelo, o protagonista da segunda geração dos Carlini. Além da
Coluna Prestes, as duas guerras, o Estado Novo, o desenvolvimentismo dos anos
50, o golpe militar, todo nosso traçado político é vivido pelos personagens que
nos exibem também a rede molecular da história: os hábitos das toalhinhas
higiênicas ou do rádio e da televisão na vida familiar, o trânsito em São
Paulo, as copas do mundo, o famoso ladrão Meneghetti, o queijo Catupiry, tudo
se articula às peripécias dos homens comuns que são os Carlini.
Um livro para se reler São Paulo, à
procura da resposta para a pergunta formulada ao longo da narrativa e que,
paulistas ou não, nos fazemos, aflitos ou canhestros: para onde vai esse livro
da nossa história e quem será seu autor?
Ethel Leon é jornalista
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